domingo, 8 de maio de 2011

EIDOS INFO-ZINE # 29


Acerca do militante anarquista – sensibilidade, cultura e ética política(Brasil, 1890-1920) [Parte I]: Jacy Alves de Seixas/Sindicalismo e Movimentos Sociais [Parte I]: Alexandre Samis/ Planeta Terra (Uberlândia, Minas Gerais, Brasil), entre março e abril de mais onze para além do ano dois mil:GH/Estágio em Psicologia Escolar: relatando experiências: Fernanda Caroline de Melo Rodrigues/Já está online a Rádio Cordel Libertário: Agência de Notícias Anarquistas


ARTIGOS



Acerca do militante anarquista – sensibilidade, cultura e ética política (Brasil, 1890-1920) [Parte I]*

Acerca do militante anarquista

            O que é ser militante anarquista no início do século XX? Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que “o” militante operário e/ou anarquista são vários... recobrindo individualidades diversas que se articulam em relações, ora de apoio recíproco e aproximação ora de afastamento, que adquirem uma certa estabilidade, uma forma.
Gigi Damiani
        Observação de caráter teórico-metodológico: ao invés de falar de anarquismo(s) no Brasil prefiro falar da estratégia operária de ação direta que o configurou e ao primeiro movimento operário brasileiro. Não “influência”, mas a noção de estratégia (de inspiração foucaultiana) parece-me aqui mais apropriada como ferramenta de compreensão histórica.
A expressão “proletariado militante” era de uso corrente na época. Hoje – em nossos tempos marcados pelo desengajamento e fluidez – ela nos é pouco familiar. Seu significado, sobretudo após a cristalização operada pelo pensamento marxista (leninista e gramsciano) ao longo do século XX, recobre qualidades precisas que foram paulatinamente essencializadas: a capacidade de direção e organização, a disciplina, o saber e a “ciência”, a autoridade, a previsão. No entanto, nada mais sujeito a mutações do que a noção, profundamente histórica, de proletariado militante. Noção que se faz e se refaz ao contato das experiências operárias e reviravoltas históricas. A historiografia operária e anarquista vem sublinhando a dificuldade e a impertinência de se traçar um ideal-tipo do militante das últimas décadas do séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX - digamos à maneira positivista, representação válida para “todos os tempos e lugares”.
Não se trata, portanto, de afirmar um sujeito metafísico, substancializado, portador de uma independência em relação às tensões e desafios do seu próprio tempo, mas de buscar apreender a historicidade que construiu a figura (ou, melhor dizendo, a figuração) do militante anarquista em sua enorme plasticidade.
Reformulemos, portanto, nossa problemática: o que significa ser militante operário ou anarquista em São Paulo e Rio de Janeiro no final do séc. XIX até o final dos anos 1920? Algumas questões impõem-se imediatamente, como que para ritmar e balizar a temporalidade abarcada por estas reflexões.
Primeira questão. O militante dos anos 1890, habitué dos Centros Socialistas ou partidário de um grupo anarquista ou, mesmo, de um partido operário, muitas vezes um intelectual, é similar ao militante de 1907 ou de 1917? E este último, poderia ser identificado àquele que, posteriormente, se lançará em eleições e organizará “blocos operários” parlamentares, em 1927 ou 1928?
Segunda questão. Esboçar os traços do militante da estratégia de ação direta (quais qualidades exaltava? quais recusava? quais dispositivos privilegiava?) não significa ao mesmo tempo apreender o movimento operário e anarquista em suas significações políticas e éticas, suas formas de participação, precisamente as significações e formas que o instituíram como uma subjetividade singular? 
Retenhamos, primeiramente, as diferenças entre o militante anarquista ou socialista dos anos 1890 e os sindicalistas das duas primeiras décadas do século. Talvez se tratasse dos mesmos indivíduos, de uma única geração, entretanto aquilo que havia moldado e conferido sentido às suas práticas há apenas alguns anos havia se transformado completamente. Um verdadeiro abismo os separa e, sob vários e importantes prismas, se considerarmos o peso da ética política anarquista, os segundos se formam virando decisivamente as costas a seus predecessores. Com efeito, é difícil cogitarmos, no interior da estratégia operária de ação direta, uma única liga de resistência que pudesse ter assumido como sua as normas disciplinares e a hierarquização dos grupos locais do “Partido democrata socialista”, de 1896. Estes grupos, organizados em alguns bairros de São Paulo, preconizavam “não manifestar publicamente nenhum desacordo (...) sem ter previamente consultado” as instâncias superiores do partido e atuar “para que todos os seus membros sejam eleitores.” [1]
Os dispositivos disciplinadores – para não falarmos do parlamentarismo! –, não eram apreciados ou valorizados pelos protagonistas do sindicalismo de ação direta; eles irão lhes opor a iniciativa, a palavra de ordem “promover a ação”, segundo as palavras de Neno Vasco. Uma distinção importante vem assim à luz: o proletariado militante da estratégia de ação direta não tem nada a ver com o proletariado dirigente. Indubitavelmente é à presença da ética anarquista e sindicalista revolucionária que se deve este traço. Escreve Neno Vasco: “Os trabalhadores não devem ser dirigidos nem governados, mesmo para o bom objetivo, mas se dirigir e se emancipar a si próprios (...).”[2]
          Se o militante não se pretende, portanto, um dirigente, se ele se recusa a dirigir do alto e do exterior as condutas é para afirmar uma ética outra, válida tanto para o proletariado militante como para a fração, largamente majoritária, que não o é. Assim, desde o início do movimento sindicalista no Brasil (a partir de 1903), vemos com insistência e veemência a enunciação da inutilidade das “direções” sindicais e da necessidade de reduzir, a qualquer preço, suas funções.

“Concluímos – afirmavam, em 1903, os anarquistas sindicalistas revolucionários – a inutilidade e nocividade das direções. Não são necessários presidentes para dirigir homens que querem e sabem o que querem. Sim, é preciso uma administração, o que não significa uma direção (...).”[3]
           
Na realidade, as ligas de resistência, mesmo entre as mais combativas, não puderam jamais prescindir de um corpo, mais ou menos estável e reduzido, de militantes que asseguravam a regularidade das tarefas administrativas, mas tomavam também iniciativas. Apesar disso, a idéia de que o proletariado militante, reunido nas associações operárias de resistência e nos diversos grupos anarquistas, era o antípoda do dirigente revolucionário retém sua função de dispositivo regulador. Distância enorme das significações que mobilizaram e instituíram o militante leninista (o “revolucionário profissional”) que será alçado mais tarde (após a Primeira Guerra Mundial e a fundação da Terceira Internacional, em 1919) em paradigma: aquele que, obediente à lógica da exterioridade, acredita que o proletariado sabe mas não sabe que sabe – a consciência política de classe devendo ser-lhe incutida “de fora” pelos dirigentes revolucionários, reunidos e disciplinados pelo e no partido. A dificuldade de descrever o militante da estratégia de ação direta (anarquistas, sindicalistas revolucionários e seus companheiros de estrada) reside, em grande parte, no fato de que seus traços foram esmaecidos e mesmo completamente apagados (tornados incompreensíveis, insignificantes), seja pelo efeito do foco unilateral voltado para o militante leninista, seja pelo foco (deformante e excludente) com o qual este último iluminou – num jogo de sombras – os seus predecessores.
Edgard Leuenrot
Penso que o militante, ocasional ou permanente, da estratégia de ação direta que marcou o primeiro movimento operário no Brasil, foi dotado de certas qualidades e de um perfil, dos quais buscarei traçar os contornos. Ele cultiva, por assim dizer, uma virtude (no sentido maquiavélico) e uma prática política singular; ele tem também uma forma que lhe confere visibilidade.
         Sua virtude: a exemplaridade. O militante anarquista e/ou operário busca sensibilizar as classes operárias pelo exemplo. Certamente, ele quer convencer, educar e transformar as consciências e comportamentos, “despertar” o proletariado brasileiro e tirá-lo de sua “apatia”, organizar os sindicatos e ligas de resistência, mas tudo isso através do exemplo de sua ação. O militante anarquista é exemplar por sua ação. Oferece como modelo apenas aquilo que quer suscitar, ou seja, a iniciativa individual e coletiva de que os operários são considerados capazes. Não existe, neste aspecto, uma diferença essencial entre o proletariado militante e o proletariado tout court.
            Os comentários de anarquistas e sindicalistas revolucionários ao Primeiro Congresso Operário brasileiro [Rio de Janeiro, 1906] nos fornecem elementos preciosos de análise. Eles nos remetem à imagem do militante exemplar e, precisamente, de qual exemplo se fala:

“No congresso tudo se passa como no sindicato. Não há aqui uma maioria que legisla, que impõe resoluções: pode existir, no máximo, uma maioria que decide agir. Sua única prescrição, neste caso é (...) a do exemplo. Convencer, arrastar, pelo exemplo da ação – tal é a característica principal da ação sindicalista.” [4]
           
Este mesmo retrato é enfatizado logo após a greve geral de 1907 pela jornada trabalho de oito horas (São Paulo), quando, tomados de entusiasmo, os militantes sindicalistas revolucionários concluem que a melhor forma de mobilizar o proletariado local é fazendo prosperar as ligas de resistência “... pelo exemplo, pela iniciativa e a propaganda, onde cada indivíduo participe enquanto entidade, onde cada agrupamento faça na ação a aprendizagem da ação.” [5]
            O exemplo a ser dado é, em uma palavra, o da ação (fonte da consciência revolucionária e de uma nova ética política; a “ginástica revolucionária”, cara ao pensamento anarquista em todos os seus matizes). O militante desta época é, portanto, alguém que se distingue principalmente pela ação e capacidade de criar e tomar iniciativas – “nós queremos a livre iniciativa e a ação direta.” [6] Combativo, seu lugar constrói-se, em permanência, no interior da luta de classes; é ativista, no sentido pleno do engajamento e organização das ações – seja ela nos sindicatos, nas ligas de bairro, de inquilinos, nas Escolas Livres, fomentando práticas pedagógicas e atividades culturais.... Eis porque ele representa o antípoda do dirigente planificador (e se imagina como tal), mesmo se, às vezes, este traço lhe seja atribuído. Ora, a ação coletiva libertária (a greve geral) é considerada como algo (enquanto ato) que extravasa em grande medida os cálculos e previsões prévias de seus melhores militantes. Ela supõe uma poiesis, a criação de algo inédito:

“A greve geral – considera a FOSP-Federação Operária de São Paulo – não pode, de forma alguma, ser preparada no secretariado de uma  federação operária, nem ser o resultado da resolução de meia dúzia de indivíduos – tenham eles ou não influência sobre a massa operária.” [7]
           
Daí resulta o aspecto ambivalente, e mesmo trágico, da personalidade do militante anarquista do início do século XX: ele se acomoda muito mal à etiqueta de dirigente, de “chefe”, função que no entanto preenche com alguma freqüência. Os chefes são desprezados porque os trabalhadores tendem a lhes abandonar “sua confiança, sua iniciativa.” [8] Assim, por exemplo, José Oiticica, que em novembro de 1918 participa da organização de uma greve geral insurrecional no Rio de Janeiro, reagirá sempre à denominação de antigo chefe anarquista que lhe é aplicada, imagem que permanece, cristalizada, na memória e na historiografia. Escreve:

“... nenhum de nós, anarquistas, via em Oiticica chefe de coisa alguma e ele mesmo repudiava toda insinuação nesse sentido.” [9]
           
Maitron estima que o militante operário francês do século XIX define-se antes de mais nada pelo temperamento e modo de agir: “ele acredita e ousa.” [10] Podemos dizer em relação ao militante anarquista e sindicalista revolucionário brasileiro das duas primeiras décadas do século XX que ele também é um crente, mas sua crença incide sobre o próprio ato de ousar e criar ações. Ele crê na audácia, ou melhor, na possibilidade e na capacidade de ousar, a sua e a daqueles – representados comumente como “apáticos” – a quem ele se dirige e busca sensibilizar e “despertar”. A crença de um Neno Vasco, por exemplo, parece se aplicar menos a suas convicções ideológicas que àquilo, plural por definição, que pode ter de revelador no interior dos atos e práticas operárias autônomas, por mais tímidas e modestas que sejam. O “principal valor” da greve – escreve com insistência em seus artigos na imprensa anarquista e sindicalista revolucionária – é que ela “suscita as mais belas iniciativas.” [11]
            A exemplaridade do proletariado militante se dá pela ação e consciência (ou melhor, ele é consciente porque ativo; noção de que a consciência revolucionária constrói-se na ação). Sua principal qualidade é a iniciativa e autonomia, que arrastariam os não sindicalizados ou não pertencentes a nenhum agrupamento revolucionário à ação (que se quer igualmente autônoma).  Situado no pólo oposto do militante dos anos 1890 (que privilegiava a força das idéias inovadoras) e daquele que, disciplinado pelo marxismo-leninismo, lhe sucederá, ele procura afirmar-se não em nome de um saber nem da ciência, mas pelo exemplo da iniciativa: em uma única palavra, pela ação.
           Sua forma: a mobilidade. O militante da estratégia de ação direta distingue-se e singulariza-se pela mobilidade. Ele se desloca constantemente pelo eixo Rio de Janeiro-São Paulo, mas principalmente no interior de seu próprio Estado. Encontra-se nos locais de greves ou daquelas em preparação; procura estar em todos os lugares onde o interesse pelas ligas de resistência começa a se fazer sentir e onde os trabalhadores se reúnem para discutir e enunciar seus próprios interesses. Aprecia, igualmente, organizar e animar conferências (sobre os mais variados temas) e partir em longas turnês pelas cidades e vilarejos do interior. Em suma, ele se move – para apoiar greves e mobilizações, para responder a necessidades pontuais da organização operária ou da propaganda sindicalista, anarquista ou simplesmente “racionalista”. A mobilidade é sua forma dominante, um traço central de seu reconhecimento e identidade. Não é incomum encontrarmos expressões como “sempre nas estradas” para caracterizar este militante “andarilho”, “ambulante”.
Oreste Ristori
            O anarquista Oreste Ristori representa um exemplo significativo. Da capital de São Paulo, ele praticamente cruzou todo o Estado, aproveitando-se do traçado das estradas-de-ferro, percorrendo em sentido contrário – em direção ao interior do Estado – as vias utilizadas para o escoamento da produção cafeeira até o porto exportador de Santos. Existem inúmeros registros na imprensa anarquista e operária onde são mencionadas as espetaculares e aventureiras viagens de propaganda efetuadas por Ristori, como aquela realizada de 26 de fevereiro a 26 de março de 1906. [12] Ele percorre em um mês, seguindo a cadência da Estrada de Ferro Mogiana, a longínqua região de expansão da agricultura cafeeira até Uberaba, cidade localizada no vizinho Estado de Minas Gerais, detendo-se nas pequenas e médias cidades.
         Observa-se que os temas das conferências não eram rígidos, mas abertos e variados, “sobre não importa qual tema”; apenas o itinerário era cuidadosa e anteriormente fixado. Saber sobre o que iria falar, preparar seus discursos, parece preocupar menos este militante do que traçar dia-a-dia o espaço a ser percorrido, “vencido”. No dia 1º de maio deste mesmo ano de 1906, o encontramos em Santos (principal porto exportador de café, com forte presença do pensamento e prática anarquista e sindicalista revolucionária), na manifestação organizada pela federação operária local (a “Internacional”), onde toma a palavra ao lado do socialista Valentim Diego, então dirigente da “União dos Trabalhadores Gráficos” de São Paulo. A atividade militante de Ristori pelo interior do Estado de São Paulo parece ter uma boa recepção e certa eficácia, pois suas “viagens” são uma constante, pelo menos até 1912, ano em que se desloca até o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em 1910, por exemplo, ele retoma os traçados dos trilhos da “Mogiana”; desta vez com uma programação de conferências pagas “em prol da Escola Moderna”, nas quais faz uso de inovações tecnológicas anunciadas com orgulho, as “projeções luminosas”. [13]
        A mobilidade é também um fato para os militantes sindicais, ainda que estes preservem uma base de referência institucional (a liga de resistência à qual pertencem) ou, pelo menos, um território específico de ação (o ofício ou setor econômico onde trabalham ou militem). Giulio/Julio Sorelli é um destes militantes anarquistas e dirigentes sindicais sempre “em missão” [14] pelo interior do Estado de São Paulo e por outros Estados. Assim, podemos encontrá-lo, como representante da FOSP-Federação Operária de São Paulo, em lugares, muitas vezes longínquos, onde greves são declaradas. Quando da greve da “Cia. Paulista de Estrada de Ferro”, por exemplo, ele viaja imediatamente (”desde o primeiro dia de greve”) a Rio Claro, cidade sede da liga operária que foi, juntamente com a “Liga Operária de Jundiaí”, o pólo de organização desta histórica greve de ferroviários brasileiros. Sorelli realizou freqüentes turnês de conferências, que (ao contrário das de Ristori) abordavam um tema privilegiado, o da necessidade da organização operária e da ação direta. A mobilidade habitual do proletariado militante destas décadas vai procurar reconhecimento no plano institucional com a criação, em 1920, de um “secretário excursionista”, aprovado no “Terceiro Congresso Operário Brasileiro”, que se faria representar na comissão executiva da “COB-Confederação Operária Brasileira”, então reorganizada. A mobilidade revela-se como forma fundamental também na estruturação interna do trabalho militante. O militante se desloca no interior de sua própria atividade militante, procurando ampliá-la e diversificá-la. Desta maneira, o encontramos como autor de peças teatrais – caso de Neno Vasco, Mota Assunção, Giulio/Julio Sorelli e muitos outros – ou de romance com fundo social ou anarquista (caso de Gigi Damiani) e, algumas vezes, mesmo como ator (Sorelli, por exemplo). Podemos reconhecê-lo, também, como professor das “escolas modernas” – ele, freqüentemente um autodidata (caso de Florentino de Carvalho e Edgard Leuenroth), será professor das novas gerações de trabalhadores e militantes. Caso do anarquista João Perdigão Gutierrez, importante militante da “Federação Operária de Santos” que, imigrante espanhol chegado criança ao Brasil e criado no ambiente do porto, aprendeu a ler e a escrever na escola sindical.
         Por outro lado, encontramos o militante da estratégia operária de ação direta na pessoa de Neno Vasco[15], que não tem nada do ativista e tudo do intelectual e teórico. A historiografia brasileira retém de sua participação no movimento operário e anarquista brasileiros a imagem de uma “figura tímida” [16], e é verdade que Neno Vasco não se presta a classificações, sempre empobrecedoras. Militante sindicalista revolucionário e organizador, sem sombra de dúvida, ele não foi entretanto um animador direto da vida sindical. Não fez conferências, não tomou jamais a palavra em manifestações públicas, não participou de nenhum dos congressos operários. Foi pela atividade intelectual e jornalística constante e diversificada (política e cultural) que Neno Vasco marcou sua presença.
        Neno Vasco não foi apenas um “bom” divulgador e intérprete das idéias anarquistas e sindicalistas revolucionárias no Brasil; a elaboração de seu pensamento, extremamente atento às experiências dos trabalhadores brasileiros, não pôde senão se deixar delas impregnar. A tensão, e mesmo a originalidade, de sua postura certamente lhes são tributárias. Sob vários aspectos, Neno Vasco representa o teórico mais autorizado – talvez porque in-fiel – do sindicalismo revolucionário no Brasil; sobretudo por suas próprias ambigüidades que são aquelas do sindicalismo revolucionário no país onde viveu durante dez anos, dos 23 aos 33 anos de idade. [17]
Neno Vasco
      Sua trajetória política pode ser rapidamente esboçada. Ele reivindica, primeiramente, o pensamento de Malatesta, em virtude de sua atenção à organização e ao movimento operário; em seguida, faz suas as reflexões de Fernand Pelloutier de quem cita, em português, extratos da impecável “Carta aos anarquistas” [18], de 1899; finalmente, adere às idéias dos sindicalistas revolucionários franceses (entre os quais Pouget, Yvetot, Delesalle). No entanto, sua adesão ao sindicalismo revolucionário – que representava para ele um “simples eufemismo” do anarquismo operário – não se dá sem fissuras, precisamente em razão da persistência da influência malatestiana. Ora, é no interior dessas fissuras, assumindo-as, que o historiador pode apreender a complexidade e riqueza de sua figura de militante. Por todos estes motivos, é impertinente buscar classificá-lo. Difícil imaginá-lo subscrevendo ou ratificando a fórmula “o sindicalismo se basta a si mesmo” (assim como o sindicalismo revolucionário brasileiro não o faz). Suas convicções anarco-comunistas, sua fidelidade a uma concepção de revolução como tendo múltiplos lugares, fundada sobre a pluralidade e complexidade das relações sociais e das práticas de liberdade, fizeram com que olhasse sempre com desconfiança todo e qualquer exclusivismo, ainda que se traduzisse em “exclusivismo sindical” – a crença enganadora no “revolucionarismo automático” dos sindicatos – ou, como afirmou, em exclusivismo anarquista. [19] Não se pode pensar que o deslocamento por ele operado revelaria a influência durável em seu pensamento e prática da vibrante atividade anarco-comunista presente em São Paulo (e que se exprime de forma diferenciada no Rio de Janeiro)?      
      Permanecem, portanto, os desafios que a figura do militante Neno Vasco levanta à pesquisa historiográfica e, como dissemos, a impertinência em classificá-lo. Mas por que insistir nisso se a riqueza de sua contribuição ao primeiro movimento operário brasileiro reside precisamente na própria tensão institutiva de seu pensamento? Inimigo das classificações, ele próprio pode nos fornecer uma pista quando se reivindica sem etiquetas, um “desclassificado”. Polemizando com Elyseo de Carvalho que, em 1904, o apontava como o líder dos 10.000 (um exagero, certamente!) anarco-comunistas de São Paulo.

“Dez mil comunistas! E eu no meio de tanta gente... Uff! deixem-me sair, dêem-me licença meus senhores. Tenho sempre evitado os ajuntamentos: sofro de falta de ar e o calor e a poeira me incomodam. (...) O melhor seria talvez ter-me deixado desclassificado, pairando no vago, no indeciso, nem sim nem não, antes pelo contrário, numa indeterminação de nebulosa, em pleno céu azul, sob o sol claro (...).”[20]
           
Tomada de posição provocadora e atual do ponto de vista teórico-historiográfico pois coloca questões essenciais para uma (re)definição do que se entende por subjetividade e ação históricas. De qualquer forma, é a este instigante intelectual “desclassificado”, que reivindica para si a “indeterminação de nebulosa”, que se deve, no Brasil e em Portugal, apaixonantes reflexões e questões sobre o anarquismo e o sindicalismo revolucionário anteriores à Primeira Guerra Mundial.

Jacy Alves de Seixas é professora do Instituto de História da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), coordenadora das Jornadas “Noitadas Anarquistas” do Nephispo (Núcleo de estudos e pesquisas em História Política) e autora, entre outros, de Mémoire et oubli: l’Anarchisme et le Syndicalisme Révolutionnaire au Brésil Paris: éditions de la Maison des Sciences de l'Homme, 1992.

Notas
*Artigo apresentado no Encuentro Cultura y prática del anarquismo, desde sus orígenes hasta la Primera Guerra Mundial, no Colegio del México, entre os dias 22 e 23 de março de 2011.

[1] “Programa do Partido Democrata-socialista – grupos locais”. O Socialista. São Paulo,  nº4, 17/05/1896.

[2]  VASCO, Neno. Concepção anarquista do sindicalismo. Lisboa: Ed. A Batalha, 1920, p.57,60.

[3] O Amigo do Povo. São Paulo,  nº34, 13/03/1903.

[4] “Sobre o congresso operário”.  A Terra Livre. São Paulo,  nº10, 13/06/1906.

[5] “Dois mundos, dois métodos”.  A Terra Livre. São Paulo,  nº35, 1/06/1907.

[6] A Terra Livre. São Paulo,  nº21, 27/11/1906.

[7 ] “Greve geral”.  A Lucta Proletaria. São Paulo, nº7, 29/12/1908.

[8]A Terra Livre. São Paulo, nº3, 7/02/1906.

[9] OITICICA, José. Ação direta. Rio de Janeiro: Ed.Germinal, p. 235.

[10] “La personnalité du militant ouvrier français dans la seconde moitié du XIXème siècle ». Le Mouvement Social, IFHS, 1960, p.73.

[11] A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, nº23, 15/01/1913.

[12] La Battaglia. São Paulo, nº69, 04/1906.

[13] A Terra Livre. São Paulo, nº65, 1/01/1910.

[14] A Lucta Proletária. São Paulo, nº2, 1/09/1906.

[15] Gregório Nanzianzeno de Vasconcelos (1878-1920), de origem portuguesa, advogado (“grau de bacharel em Direito por Coimbra”), chega ao Brasil em 1901 com a idade de 23 anos.

[16] FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1977, p.93.

[17] De Portugal, para onde retorna em 1911, ele continua a participar assiduamente da imprensa anarquista e sindicalista revolucionária e a influenciar com a força de seu pensamento o movimento operário brasileiro. Neno Vasco morre de tuberculose, em setembro de 1920, com apenas 42 anos de idade. Durante sua doença, coletas de dinheiro são feitas no Brasil para auxiliá-lo financeiramente. Cf. A Plebe. São Paulo, 17/07/1920.

[18] Excerto de Pelloutier citado e comentado por Neno Vasco: “Atualmente, nossa situação no mundo socialista é esta: proscritos do “Partido” porque não menos revolucionários que Vaillant e que Guesde

[19] A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, nº38, 1/09/1913.

[20] “Individualismo-comunismo (carta dum classificado”. Kultur. Rio de Janeiro, nº 2, abril de 1904, p. XVIII.


Sindicalismo e Movimentos Sociais [Parte I]*



Breve histórico do sindicalismo contemporâneo

No início do ano de 1980, ainda sob o espectro da ditadura militar, os trabalhadores do Brasil iniciaram um movimento em favor de uma nova forma de organização. O tipo de sindicalismo saído da ditadura era uma estranha simbiose do velho corporativismo varguista e outras formas de sujeição ao Estado militarista, inaugurado em março/abril de 1964. Reunidos em encontros estaduais, os Encontros Nacionais da Classe Trabalhadora (ENCLATs), os trabalhadores deram à estampa diversos documentos que deveriam ser analisados em um encontro nacional. Para tanto, no mês de agosto de 1981, na Praia Grande, São Paulo, aconteceu a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, a I CONCLAT. Desse evento participaram não apenas as velhas confederações e federações, como também um numero expressivo de associações pré-sindicais, representadas por delegados de base, que prefiguravam, em grande medida, a renovação das premissas sindicais até então vigentes.
Como resultado prático da Conferência, surgia uma Comissão Pró-Central Única dos Trabalhadores (CUT) e evidenciava-se uma ruptura irreconciliável entre os setores mais radicalizados e a antiga burocracia sindical. Em agosto de 1983, com o nome de Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, também sob a sigla de I CONCLAT, os grupos à esquerda organizaram as bases para a criação da CUT; enquanto, o bloco contrário, em novembro do mesmo ano, no também CONCLAT, inaugurava uma Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras e conservava a legenda CONCLAT. Esta última entidade seria responsável, em 1986, pela criação da Central Geral dos Trabalhadores, a CGT
Entretanto, já na I CONCLAT, a de 1981, o tema da greve geral, tradicional bandeira do sindicalismo revolucionário, aparecia para clivar a distinção entre os grupos presentes. Muitos dos delegados de base aglutinaram-se, então, em torno da proposta que, em 1982, deveria ser posta em prática como forma de anunciar o nascimento da CUT e pressionar o governo e patrões a transigirem em favor de uma pauta unificada. Mas a formação de blocos antagônicos no interior da CONCLAT – o “Bloco Combativo”, formado por uma nebulosa de grupos da esquerda radical, setores progressistas da Igreja Católica e independentes, e o “Bloco da Reforma”, de composição de ativistas pouco engajados politicamente, além de partidários dos dois PCs e do MR-8 – acabou por atrasar a programação para o ano seguinte, inviabilizando, assim, a greve geral, sendo possível aos do “Bloco Combativo” apenas a fundação da CUT.
Dessa forma, a CUT nascia com um estatuto provisório que destacava a sua independência dos patrões, do governo, dos partidos políticos e dos credos religiosos. Além disso, o mesmo documento, insistindo em três pontos, definia-se pela autonomia e a liberdade sindical, a organização por ramo de atividade produtiva e a organização por local de trabalho, as então em voga “comissões de base”. Tais posicionamentos afastavam o grupo que formou a CUT ainda mais do que, em 1986, criou a CGT. Assim, a opção da nascente central sindical colocava-a na linha direta de sucessão da tradição sindicalista revolucionária dos primeiros anos do século XX, não apenas no Brasil como na França, EUA e outros países em igual período. Segundo Leôncio Martins Rodrigues:

“Esses pontos de contato podem ser encontrados na valorização do sindicato como um instrumento de mudança social, na defesa de sua autonomia frente aos partidos políticos, na idéia da construção de um sindicalismo ‘de base’, agressivo, sem burocracia, desprezando a atuação partidária, política e parlamentar e exaltação da ação direta e o conflito, vendo a greve geral como principal arma do trabalhador”.[1 ]

Apesar das afinidades programáticas com o sindicalismo revolucionário dos primeiros tempos, boa parte dos sindicalistas atuava na estrutura das entidades oficiais. Tal situação colocava-os em flagrante contradição com os propósitos revolucionários e autonomistas uma vez que, em paralelo, gozavam dos benefícios concedidos pela legislação trabalhista em vigor. Assim, a ação dos sindicalistas acabava por fortalecer a estrutura corporativa e oficial que, contraditoriamente, pretendiam estes destruir por força das estratégias impressas nos documentos e estatutos. O III CONCUT, em 1988, selaria “pela direita” a idiossincrasia que nascera com a CUT em 1983. Nesse encontro celebrado no Estádio do Mineirinho, em Belo Horizonte, no mês de setembro, apesar das teses políticas reafirmarem o ethos do socialismo, foi a de número 10, apresentada pela corrente Articulação, organicamente ligada ao PT, que ganhou a maioria dos votos do plenário. A corrente conhecida genericamente por “CUT pela Base”, que defendia as teses ainda do estatuto provisório de 1983, foi derrotada e a burocracia sindical ganhou, por assim dizer, definitivamente a Central Única dos Trabalhadores.
Finalmente, com a vitória eleitoral de Lula, em 2002, a CUT, que havia se transformado na maior central sindical do país, passou a identificar sua política com as diretrizes defendidas pelo novo governo. Um claro desdobramento da tese vitoriosa em 1988 e que, por conta da fatídica associação, tornou mais didático, portanto mais evidente, o acelerado grau de burocratização da entidade de classe.


Os sindicatos hoje

Grosso modo, podemos caracterizar a identidade sindical a partir de três condutas distintas. Os sindicatos que hoje representam mais claramente os interesses do governo/patrões são os colaboracionistas ou chapa-branca. Estes subordinam sua política a postulados puramente economicistas, encarando o governo como um interlocutor legítimo, uma instância imprescindível e fundamental na resolução dos problemas. Via de regra, tentam fazer entender à base que a função do órgão de classe é, na sua essência, pôr em entendimento os “interlocutores naturais” – governo/patrão e trabalhador – que, por uma falha na dinâmica do diálogo, estão em posição de oposição provisória.
Mesmo invocando no campo da retórica imagens tradicionalmente esposadas pelo campo socialista, o que fazem, no mais das vezes, é re-significar o conteúdo das lutas dos trabalhadores em favor da conciliação de classe. Neste caso, as vantagens para a categoria, obtidas ou não na ação sindical, passam a ser encaradas como um fim em si mesmas, um acumular de “direitos” que reforça a sujeição às políticas econômicas macroestruturais do Estado, justamente aquelas que são as responsáveis pelas mazelas salariais da classe. Tal sindicalismo, portanto, mistifica a ação sindical determinando para as bases um papel de coadjuvante no conjunto orquestrado das políticas de governo.
Existem também os sindicatos que, em determinada conjuntura, apresentam certo grau de combatividade, sem a pretensão de tornar determinante o diálogo com o governo. Tais entidades de classe entendem a posição que ocupam no cenário da luta de classes, buscam o enfrentamento, mas o fazem a partir de uma pauta quase exclusivamente econômica, aproveitando as crises e as agendas eleitorais para arrancar do governo as melhorias imediatas.
Têm, mais por instinto que por ideologia, a disposição para a luta, fato que se observa em momentos de ascenso organizativo, mas que, em uma conjuntura desfavorável, pode se perder com impressionante velocidade. Seus métodos acabam por reforçar muito mais o campo do ativismo sindical – importante de fato, entretanto insuficiente – ao investirem exclusivamente na reação às medidas governamentais. Agem, dessa forma, estimulados pelas agendas eleitorais e políticas do Estado, ainda que em oposição a elas. Assim, a despeito da forma, no conteúdo orientam-se pela luta imediata, sem referências claras na própria classe, uma vez que o acúmulo é insuficientemente utilizado para formular um projeto de autonomia e emancipação definitiva dos trabalhadores. Ancorados no que é apenas visível, ou seja, as necessidades imediatas, esquecem do que é desejável, a mudança radical em favor de todos e não apenas da categoria. Aos sindicatos que adotam esta conduta podemos chamar corporativos.
A terceira conduta sindical pode ser identificada por sua ação em associação com seus postulados teóricos. Em comum com as demais, ela caracteriza-se também pela representação da classe. Preocupa-se com as necessidades imediatas da mesma e se legitima em determinados ritos e emblemas identitários do trabalho coletivo. Mas, para além destas semelhanças, o sindicalismo de resistência propõe-se a um enfrentamento mais claro e efetivo do Estado burguês. Utiliza o corte classista não para evidenciar a singularidade entre trabalhador e patrão/governo, mas para explicitar o fosso que separa a classe trabalhadora daqueles que a exploram. Pensa o sindicalismo como um meio importante para que os trabalhadores dêem combate diuturno ao sistema que oprime a eles e aos seus iguais em destino. Nas reivindicações econômicas, igualmente, enxergam um meio para mais didaticamente perceberem os da classe, por evidências numéricas, as suas reais condições de explorados. E, uma vez que não se limitam ao sintoma, denunciam o capitalismo e suas mais claras manifestações como o motivo de todo o estado de coisas.
Destarte, o sindicalismo de resistência articula a teoria revolucionária, que podemos chamar de socialismo, com suas ações políticas e sociais, instituindo a primeira em conformidade com a realidade específica da segunda. 

Orientações e concepções sindicais

Pode-se, de forma esquemática, apresentar três etapas importantes para o desenvolvimento de um programa estratégico de classe no sindicalismo. Tais etapas, no entanto, longe de obedecerem uma linha evolutiva, combinam-se e orientam-se mutuamente. São como vasos comunicantes que formam um mesmo corpo vivo e indiviso. A primeira parte de um programa estratégico deve versar sobre os ganhos de curto prazo.
Aqueles que vão orientar as lutas do dia-a-dia, que devem mobilizar os ânimos e que se vinculam as necessidades igualmente prementes, inadiáveis e comuns a todos indistintamente no interior da classe. Circunstância que pode contar com campanhas de naturezas diversas, mas de preferência com forte apelo conjuntural. As campanhas salariais, acompanhadas de análises da política governamental, são formas bastante utilizadas e, quase sempre, trazem algum resultado. Nas questões de curto prazo, os sindicalismos colaboracionista, corporativista e mesmo o de resistência, às vezes se parecem muito.
Entretanto, é nas questões de médio e longo prazo que se distanciam sobremaneira as condutas sindicais. Na realidade, tanto os colaboracionistas quanto os corporativistas, não possuem as dimensões de médio e longo prazo. Não as possuem, ao menos, no sentido autônomo do termo, pois, uma vez que se guiam pelo pragmatismo, dificilmente vão além do que se apresenta de imediato. Além disso, diferenciam-se mais na forma do que no conteúdo ao se dirigirem ao governo, não indo além da colaboração declarada para um e consentida para outro. Mutatis mutandis, acabam adotando como referencial para a luta as estratégias do Estado, mesmo que na forma inversa para os corporativistas, visto que suas agendas serão sempre determinadas pelos embates com o governo, contra o qual deveriam estar criando suas próprias estratégias, mas que, uma vez presos a este, não fazem mais do que repetir, como imagem invertida, o que determina a política oficial.
Sofrem os efeitos de uma espécie de tautologia que os remete sempre ao mesmo ponto, percorrendo o mesmo trajeto, em idas e vindas, em um jogo de soma zero que acaba por favorecer sempre aquele que é, de fato, o causador do problema.
De outra maneira, os sindicatos de resistência, buscam sempre em seus programas estratégicos salientar as questões de médio e longo prazo. Tal preocupação deve-se a já terem os sindicalistas, vinculados a esta concepção, entendido que aquelas entidades que lutam apenas pelas questões imediatas, o que fazem, no mais das vezes, é garantir ao governo um certo grau de legitimidade. Se por um lado, as reivindicações podem parecer contestatórias, e algumas vezes o são, elas induzem, por outro, subliminarmente, o coletivo da categoria a acreditar que a resolução depende sempre da aquiescência do governo. O que retira do trabalhador boa parte de seu princípio decisório e reforça as teses reformistas.
É, portanto, nas projeções mais de fundo, aquelas que irão possibilitar o contato com um universo mais amplo de explorados e, a partir daí, consolidar a luta ideológica contra o capital, que se encontra a real estratégia para o desmonte de toda a estrutura que garante a manutenção do atual sistema. Não apenas isso, mas também, a elaboração deste programa auxilia no acúmulo de valores que, por ser de fato o resultado das experiências de luta e das reflexões extraídas a partir delas, constitui-se na essência de uma dimensão de mundo genuinamente de classe. Para reforço de tal raciocínio, escreveu E. P. Thompson:


“Por classe, entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acon­tecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como uma ‘estrutura’, nem mesmo como uma ‘categoria’, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas”. [2 ]

E ainda, segundo Lúcia Bruno: “A classe operária não é uma realidade moral, mas social. Ela não tem qualquer realidade além da forma como se organiza”. [ 3]
Outra questão se soma, com idêntica importância,  às aqui abordadas. Que tipo de organização ou dinâmica interna permitiria a plena realização de um sindicalismo de resistência?
O universo das experiências históricas em favor da organização dos trabalhadores é generoso, entretanto, boa parte dos registros foi alienada de sua diversidade por força de modelos hegemônicos que tomaram seu próprio triunfo por verdade revolucionária. Sob tal perspectiva, a “Comuna de Paris” perdeu vários de seus matizes, os “sovietes”, viraram a manifestação de um partido único e os “conselhos de trabalhadores”, momentos prévios em situações históricas que careciam de uma direção de vanguarda. Apesar das versões autorizadas, uma outra literatura revolucionária, que apareceu como marginal, mesmo herética, teimou em registrar as nuances de um fazer proletário de enorme vigor organizativo.
O eixo insistentemente retomado pelas ações organizativas “marginais” dos trabalhadores encontrou sempre seu “ponto de Arquimedes” na autonomia. Foi com base nela que diversas iniciativas culminaram na Revolução Russa, de 1917, e na Espanhola, de 1936. As correntes libertária e autonomista, esta última batizada pela derivação da palavra-essência, firmaram seus postulados, ou antes, fizeram partir tudo desta premissa. Não era uma panacéia, mas uma metodologia que permitiria colocar, em uma mesma circunstância histórica, o conjunto da classe na condição de protagonista. Para L. Bruno:


“Uma luta é revolucionária quando cria relações sociais que permitem a união dos trabalhadores. Quando viabiliza a associação de homens livres que é, ao mesmo tempo, forma de luta e transformação social. Quando os trabalhadores criam organizações onde podem decidir em conjunto os rumos da luta, realizar uma nova divisão do trabalho e formas comunitárias de existência, estão criando o terreno sobre o qual o socialismo pode se desenvolver e generalizar”. [ 4]


Este é, em poucas palavras, o princípio lógico dos “conselhos de trabalhadores”. Como se organizam então os conselhos de trabalhadores?
Os conselhos de trabalhadores definem sua representação a partir da base. É na base, organizada em comissões, que os delegados classistas são eleitos. Mas a representação é diversa daquela preconizada pelo capitalismo. As diferenças são as seguintes:
1ª: Os delegados não decidem por si mesmos. São apenas a voz do seu conjunto, daqueles que os elegeram;
2ª: Os delegados eleitos executam as tarefas, não determinam as linhas de ação, a menos que sejam sugeridas pelo coletivo que o indicou;
3ª: Os delegados ficam no cargo até o termino da tarefa, ou seja, o tempo suficiente para executá-la, pois do contrário poderia haver certa cristalização de funções;
4ª: Os delegados não podem se afastar por muito tempo de seu local de trabalho, junto à base, as suas atividades não lhes conferem nenhum privilégio. Outro ponto importante é que as delegações podem ser revogadas pela base a qualquer momento. A forma sugerida garante também que as habilidades pessoais de determinados sindicalistas sirvam a todos e não ao próprio indivíduo que, no que se verifica hoje, uma vez agindo em nome do coletivo, pode, na realidade, colocar adiante das deliberações coletivas suas próprias preferências partidárias.
O método, cuja centralidade está na autonomia dos trabalhadores, propugna também pela ação direta no que diz respeito aos interesses políticos e econômicos. Para a produção e a regulação da natureza do trabalho de cada categoria, indica o regime da autogestão generalizada. E ainda o estímulo a atitudes que unifiquem todas as frentes de luta: a econômica, a política e a ideológica, tendo-se como fim a edificação da nova sociedade.
Tal estrutura organizativa é fundamental para impedir a burocratização dos sindicatos, o distanciamento entre a base e a direção e a dicotomia entre massa e vanguarda. É também um meio no qual estão embutidos os fins, uma vez que o trabalhador apreende e elabora no cotidiano do trabalho e nos embates contra o capital os elementos vitais para sua emancipação. Como chamavam os sindicalistas revolucionários do século passado, é a “ginástica revolucionária”. Uma relação que se forja no fazer contínuo do confronto e que, por ser concomitantemente experiência sensível e teórica, realizada por quem mais necessita das mudanças, estabelece novas formas de organização desalienadas.  

Alexandre Samis é doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF); membro da Federação Anarquista do Rio de Janeiro ( FARJ); professor no Colégio Dom Pedro II  e autor, entre outros, de “Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o Anarquismo e o Sindicalismo Revolucionário em Dois Mundos”, Letra Livre, Lisboa, 2009.

Notas
*Artigo originalmente apresentado no 4º Seminário de Educação do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica e Profissional (SINASEFE), no GT de Políticas Educacionais do sindicato, entre 7 e 10 de agosto de 2008, em Rio Pomba-MG. Posteriormente, o artigo foi publicado no site da Federação Anarquista do Rio de Janeiro ( FARJ). Disponível em:  http://www.farj.org/

[1 ] Rodrigues, Leôncio Martins. Cut: os Militantes e a Ideologia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
[2 ] Thompson, E. P. Formação da Classe Operária Inglesa. Vol. I. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997

[ 3] Bruno, Lúcia. O que é Autonomia Operária. São Paulo: Brasiliense, 1985

[ 4] Bruno, Lúcia. O que é Autonomia Operária. São Paulo: Brasiliense, 1985


Polêmicas



Planeta Terra (Uberlândia, Minas Gerais, Brasil),
entre março e abril de mais onze para além do ano dois mil


Houve uma vez, em uma república de bananas (não fazendo menção à fruta, mas sim à apatia geral), que os idiotas e suas idiotices alcançaram status de ídolos, de ícones e de heróis em escala nacional, quando a vulgaridade se tornou padrão comportamental e a indiferença, aliada da ignorância, transbordava para além das ondas e das páginas de noticiários e de qualquer tipo de mídia, de informativo, de notícia, de jornal... Foi nessa época que chegou até a mim uma petição para manifestar-nos contra uma suposta traição de um Ministro do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da famigerada Lei da Ficha Limpa; e diante disso, na época, assim me posicionei:
Caros interlocutores,

Em primeiro lugar, por conta de algumas respostas que atacam a forma (e não o mérito) do que foi dito, ou seja, para desviar o foco principal deste acessório, digo, para não dar maior volume para alguns atropelos cometidos, outrora, ao digitar tão motivado pela urgência de fazer circular tais linhas (mesmo que em esferas tão reduzidas), diante do levante de assinaturas que tal mensagem original deve ter a capacidade de acumular, sim, atropelei o português e patinei na boa escrita. Contudo, insisto, para que qualquer ataque ou réplica se debruce sobre o conteúdo do que foi escrito e não sobre o meu português sofrível, de fato, procedi a uma revisão (suspeita e apressada) para que a mensagem possa, uma vez mais, ser apreciada... E, assim sendo, que qualquer tipo de consideração se dê nos campos dos argumentos que aponto e não para os pontos em que eu e minha escrita convoquemos a norma culta e a melhor grafia para quaisquer tipos de confrontos... Pois bem, daqui por diante, repetindo o texto (revisado?) da mensagem anterior, reitero que sou assinante assíduo desses abaixo-assinados, mas, nesse não posso assinar, nem posso ficar calado.
Primeiro, vou tentar ser curto e objetivo (sem ser grosso), mas, francamente, o fato de alguns (ou cinco) ministros do Supremo Tribunal Federal, bem como, vários juízes e demais sujeitos (funcionários) ligados (direta ou indiretamente) ao judiciário terem anuído com a aplicação de tal dispositivo, já para o pleito eleitoral realizado em 2010, em absoluto, não aponta para qualquer medida de constitucionalidade.
E, aqui, sem me alongar diante do fato que se liga a matriz das razões pelas quais tais sujeitos (ministros, desembargadores, juízes, procuradores, promotores, etc.) atropelaram a constituição e as demais regras eleitorais, em muito, em síntese, apenas vou relembrar o fato do quanto tais sujeitos tinham (e têm, sempre têm) interesses eleitorais e, claro, para o fato de que estávamos em ano de eleição. Logo, não era nada saudável (pensando em seus rebanhos eleitorais) atacarem (mesmo que imbuídos de razão e de toda legitimidade derivada do ordenamento legal vigente) o tal dispositivo, digo, a tal da Ficha Limpa.
Mas, enfim, tanto as regras eleitorais quanto a própria constituição apontam para os prazos mínimos relativos à vigência de novas normas a serem inseridas em um sistema. O que também ocorre em matérias tributárias (situação hipotética que também foi apontada pelo Ministro Gilmar Mendes em seu voto), sobretudo, o que ocorre em todas as matérias do direito regulado pelo Estado Democrático. De todo os modos, estão lá balizados os prazos de entrada em vigência das leis. Para além disso, observando o voto do próprio (recém empossado) Ministro, ficam claras outras questões importantes, como se nota em tais passagens: "A Lei da Ficha Limpa, no meu modo de ver, é um dos mais belos espetáculos democráticos, posto que é uma lei de iniciativa com escopo de purificação do mundo político a gritar que os representantes do povo, que são aqueles que expressam a vontade popular", afirmou o Ministro, que também disse que a Ficha Limpa é a lei do futuro.
Porém, e para além de quaisquer (idiossincráticos) “sei não(s)”, no caso em questão, Luiz Fux, como já exposto, começou seu voto afirmando que a Lei da Ficha Limpa "é um dos mais belos espetáculos democráticos" que já assistiu. Fato que, em verdade, tem muito mais formulações e fatores midiáticos do que democráticos. E ainda, dando continuidade com as linhas de Fux, em seu voto, tal Ministro ainda afirma: "Dos políticos espera-se moralidade no pensar e no atuar. Isso gerou um grito popular pela Lei da Ficha Limpa"! Todavia, ainda fica a questão, seria então popular ou midiático?
Neste sentido, como boa parte dos operadores do direito até podem mesmo saber, quando as suas sustentações orais são muito elogiadas pelo magistrado, geralmente, é porque ele votará contra os seus pedidos assentados no processo (Sim! Realmente é assim que dizem em tais cenários, isso mesmo, coisas tais quais “assentados” e “sustentações orais”! Piadas com sustentações orais não são raras, nem leves ou inocentes, geralmente são tão mais machistas quanto são asquerosas e deploráveis). E então, por ocasião, foi exatamente o que aconteceu. O Ministro ressaltou que o intuito de estabelecer um mecanismo de moralidade, com tal lei, é de todo louvável, "mas estamos diante de uma questão técnica e jurídica, que é saber se a criação de critérios de inelegibilidade em ano de eleições viola o artigo 16 da Constituição Federal". Para Fux, não havia dúvidas que a nova lei alteraria o processo eleitoral sem que fossem observadas as questões decorrentes do princípio da anterioridade (ou seja, sem que se encontrasse, para a aplicação de tal dispositivo já no pleito eleitoral de 2010, um conjunto de elementos de questões temporal exigidos por norma vigente), sendo que a Constituição, expressamente, coíbe, proíbe impede a ocorrência de tal situação.
Para o Ministro Luiz Fux o processo eleitoral, a que se refere a Constituição, é toda a dinâmica das tais eleições. Desde os atos e os procedimentos mais germinais em toda essa série de ritos e dessa (dispendiosas e) teatral estrutura que culmina com a famigerada (e vergonhosa) escolha dos candidatos: "Processo eleitoral é tudo quanto se passa em ano de eleição". Fux ainda disse que a iniciativa popular é sempre salutar, mas tem de ter consonância com a Constituição; afirmou: "Surpresa e segurança jurídica não combinam". E, neste caso, de acordo com o ministro, deve prevalecer sempre a segurança jurídica para que as pessoas possam "fixar suas metas e objetivos e de formular um plano individual de vida".
Luiz Fux sustentou que o princípio da anterioridade eleitoral representa a garantia do devido processo legal e a igualdade de chances. Citando o voto do ministro Gilmar Mendes, o que fez em outras tantas passagens, disse que é inadmissível a inobservância da carência de um ano para a aplicação de lei que altera o processo eleitoral, fato que é uma garantia constitucional e que não pode ser surpreendida com mudanças feitas pela maioria. "Tem como escopo evitar surpresas no ano da eleição", votando, disse.
O artigo 16 da Constituição Federal determina que qualquer mudança no processo só pode acontecer se for efetivada até um ano antes do pleito, o que não aconteceu com a tal da Ficha Limpa. "O princípio da anterioridade eleitoral é uma garantia não apenas do cidadão eleitor, mas também do candidato e dos partidos políticos." O ministro ainda afirmou que "a tentação de aplicação da lei é muito grande, até para quem vota contra. Mas deve ser resistida".
"Se a moralidade integra esse conceito maior, integra a moralidade a obediência a decisões judiciais, às leis e à Constituição Federal. Nem o melhor dos direitos pode ser aplicado contra a Constituição Federal", observou o magistrado, enfatizando que a legislação alterou o processo eleitoral do ano passado, o que não poderia ter sido feito, já que o texto havia sido sancionado no mesmo ano. "Não resta a menor dúvida de que a criação de novas inelegibilidades em ano da eleição inaugura regra nova no processo eleitoral." Foi o que razoavelmente entendeu o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, ao decidir que a Lei da Ficha Limpa não poderia ser aplicada nas eleições de 2010.
Todavia, do modo mais claro quanto o possível, deixo explícito que sou anarquista e não voto (a não ser NULO, ou em referendos, raramente), bem como, obviamente, não acredito subjetivamente na democracia representativa, posto que ninguém me representa, já que eu mesmo assumo (não abro mão de) tal função, além do mais, não acredito na democracia representativa em seu viés objetivo, haja vista o fato inegável de que a IMENSA MAIORIA DAS PESSOAS sequer se lembra de em quais candidatos votaram. Ou seja, é mais que evidente que eles não são representados por tais candidatos, nem subjetivamente, pela ausência de vínculo consciente entre eleitores e eleitos, nem sequer objetivamente, já que cada um dos eleitos (em sua ESMAGADORA MAIORIA) se preocupa com seus próprios interesses ou, cada um deles, com os interesses de suas próprias facções (e financiadores).
Creio que resta mais que claro que aqui não faço defesa da inaplicabilidade de tal lei, porém, acima de tudo, sem fazer defesas do Estado e de suas estruturas, fico pasmo diante da possibilidade dos guardiões da Constituição caminharem rumo a ofensa da mesma, haja vista os votos dos cinco ministros a favor da aplicabilidade (IMPOSSÍVEL e INEXPLICÁVEL) de tal lei para o pleito do ano em que a mesma foi criada.
Me explico melhor, exemplificando, se a sociedade organizada no Brasil tivesse a intenção de que a tal lei fosse aplicada na eleição que renovaria o congresso e elegeria o novo presidente (no caso, a nova presidenta), então, que se organizasse antes, aprovando (na pressão popular ou midiática) a tal lei em 2009, para valer em 2010.
Fica claro o quanto os tais cinco votos no Supremo e as enxurradas de pareceres dos promotores e procuradores, bem como, as centenas de decisões de juízes e desembargadores se ligam ao poder moderador (ou ao quarto poder, ou seja, à mídia) que representa essa miríade de veículos de comunicação, dentre os mais variados mecanismos de implantes de opinião no grande público, não desde ontem, mas cada vez mais nos dias de hoje. Contudo, evidentemente, tais interesses (midiáticos travestidos de interesses populares) vão na direção exata de não criar qualquer sentimento de aversão à sujeitos, lotados administrativamente ou inseridos econômica e socialmente na estrutura, que possuem e possuíam interesses políticos em jogo no pleito eleitoral em curso.
Francamente, tomemos os seguintes exemplos, para sermos mais claros (e mais provocativos), suponhamos que ocorra um grave acidente sismológico, radioativo, climatológico ou de qualquer tipo em que nos vejamos diante de uma catástrofe natural ou algo de excepcional no Brasil, assim, diante de tal quadro, imaginemos que a população (a mídia e a sociedade organizada) crie uma campanha para gerar mais um imposto. Mecanismo fiscal que, em proposta, surja para ser formador de um fundo que possa ser utilizado para remediar tais desastres. Em verdade, a aplicabilidade de tais figuras fiscais só poderiam ser LEGALMENTE instituídas a partir do exercício fiscal seguinte. Nem diante da justa necessidade, muito menos do apelo (ou do interesse) social esse dispositivo fiscal poderia ser criado instantaneamente.
Assim como, por outro exemplo, digamos que a descriminalização das drogas, atualmente ilícitas, fosse implementada em escala global (digo, implementadas, ao mesmo tempo, no planeta todo, posto que, de fato, essa seria a única via possível de uma legalização de tais substâncias, muito mais lucrativas do que entorpecentes) e que, assim sendo, o tráfico de drogas não fosse mais uma conduta tipificada pelo ordenamento jurídico nacional (e mundial).
Porém, nesse caso, imaginemos que, num sobressalto, a sociedade (ou a mídia) assustada com a possibilidade de uma horda de ex-traficantes serem soltos – com suas bases firmadas em jornais, revistas, televisão e outros meios de comunicação (ou de implante de opinião no público/na massa) – criassem uma resistência em relação à soltura de tais sujeitos, posto que eles representariam um perigo imensurável para a sociedade. Fato, inatacável, seria que a lei penal alterada retroage em benefício dos réus, ou seja, se o ato praticado pelos mesmos não é mais crime, obviamente, quem havia sido condenado pelas práticas não mais ilícitas, não teria qualquer razão para permanecer afastado do convívio da sociedade, por mais que isso pudesse provocar calafrios nas espinhas de um dado conjunto da população (ou dos redatores dos tais veículos de implante de opinião).
Contudo, e até mesmo para evitar o mal-estar com o exemplo, é salutar esclarecer que a esmagadora maioria dos atuais encarcerados por tais tipos penais (digo, por tráfico de drogas, por associação para o tráfico de drogas, etc.), de fato, cumpre pena por outros crimes, por vezes até mais graves que o próprio tráfico de drogas, então, em verdade, a legalização (e a descriminalização do tráfico) de tais substâncias não seria, por si só, razão suficiente para devolver ao convívio social esses sujeitos comumente taxados (por vezes de forma pré-conceituosa, mas, como regra de forma permanente) de escória marginal.
Em suma, e retomando os exemplos, seria a mesma coisa de que uma população que aprecie o futebol e que prefira os campeonatos por pontos corridos, então, ao se organizarem, criassem um movimento para a implementação de tal modalidade de disputa. E, claro, na marra, forçasse a atualização da mesma no decorrer de um campeonato que já havia começado com o modelo de disputa em que os oito primeiros de cada chave se classificam para a fase final. Pois, por mais que fosse a vontade da população envolvida no cenário futebolesco, por mais que tal modelo (de pontos corridos) privilegiasse aquela equipe que tivesse mais consistência e mais qualidade ao longo do campeonato, ainda assim, a mudança intempestiva das regras se consolidaria como um enorme absurdo!
Todavia, e ainda com o intento de ser tão claro quanto o possível (ou tão mais claro quanto o necessário), insisto, não estou defendendo a posse de nenhum picareta, para tanto, não voto em nenhum deles. Mas, sim, com tal defesa, chamando a atenção pra dois pontos, um mais explicito e outro que se encontra mais pros lados das entrelinhas.
O primeiro, mais evidente, é que as regras foram criadas para serem aplicadas em todas as questões que se encontram resguardadas pelas mesmas, neste sentido, tanto a Constituição, quanto a legislação eleitoral é clara (e esse empate de 5 a 5, no Supremo, se mostra como um grande, como um enorme absurdo), pois, todo o aparato jurídico vigente segue afirmando que qualquer alteração nas regras deve ser feita em até um ano antes do pleito a ser realizado com as normas alteradas.
Porém, acima de tudo, a questão mais gritante no momento, a meu ver, ainda é outra: precisaria mesmo de uma legislação ser criada a fim de impedir que a população eleja tais picaretas? Não seria mais saudável, para um processo de limpeza moral e de implementação ética na vida pública, acima de tudo, a educação e a informação dos eleitores para que eles tivessem mais consciência ao exercerem esse direito/dever de votar (aliás, um dos poucos, pra não dizer o único direito que é, ao mesmo tempo, obrigação; digo, o tal direito/dever do voto)?
Pergunto-me, então, não seriam necessárias, em verdade, outras medidas ao invés de um vetor que varra de cima para baixo a figura de famigerados salafrários pra debaixo do tapete da vida pública?
Posto que, evidentemente, mesmo não sendo mais elegíveis ou eleitos (ou seja, mesmo sendo fichas sujas), lhes garanto com máxima convicção, sim, sem qualquer sombra de dúvidas, pois, cabalmente posso lhes afirmar que tais figurões continuarão na vida pública; ocupando tantos quanto forem possíveis de serem abocanhados os bem sabidos cargos comissionados, ou seja, permanecerão (corruptos) ativos nos tais cargos de confiança. Seja em esfera nacional, estadual ou municipal, seja como secretários, como assessores especiais, seja como Ministros, seja como for. Isso por conta de que, como não é segredo pra ninguém, das mais variadas formas, tais sujeitos têm aliados em tudo e qualquer canto.
Honestamente, já por fim, para mim, esse papo de ficha limpa pra 2010 é tão sem pé e sem cabeça quanto o papo de que a democracia liberal é a única forma possível de organização política e social (ou melhor, sócio-econômica).
De fato, sobre esse assunto de ficha limpa, as regras são tão claras (nesse sentido da inaplicabilidade de uma lei anterior a um ano da data do pleito) que todo esse burburinho e toda essa afetação, em verdade, só desvia o foco principal daquilo que deveria ser alvo de crítica e reflexão. Mais bem dizendo, isso tudo só afasta da pauta toda a estupidez da população que elege tais picaretas, tais palhaços, tais calhordas, tais figurinhas carimbadas que, não raramente, sentavam nas mesas dos generais que governaram o Brasil durante os anos de chumbo (de 1964 a 1985); igualmente, os mesmos magnatas da corrupção que detêm patrimônios pessoais, por vezes, até mesmo bem maiores que os PIBs das localidades que eles SUPOSTAMENTE representam em aparatos executivos, em câmaras legislativas municipais, estaduais ou, também, em nível federal, no planalto e no congresso federal.
Em suma, a questão é essa: que democracia é essa? Democracia representativa ou conchavos político-partidários para saques organizados ao erário público?
E, obviamente, a responsabilidade é nossa. Não do Fux, não desse ou daquele outro. A responsabilidade é de cada sujeito, de cada um que vota, de cada um que abre mão da sua própria autonomia em favor de um Zé Ruela qualquer, seja por ser amigo, seja por ser bonito, seja por conta do sujeito falar bem, seja por conta dele ter dado uma cesta básica pra quem passava fome, seja por conta de terem ensinado muito bem, na escola ou onde for, que temos de ter um líder pra nos representar; enfim, seja por qualquer uma das mais variadas e das mais sórdidas razões, a responsabilidade é nossa ao abrirmos mão de nossa autonomia (enquanto sujeitos formadores de coletivos). E, infelizmente, é por nossas irresponsabilidades que damos livre acesso à picaretas, fichas sujas ou fichas limpas, para o controle da vida pública de nossas sociedades.
A culpa é nossa, enquanto eleitores, de colocarmos tais bandidos no poder, a culpa não é desse ou daquele Ministro que votou, com bom senso e dentro das regras em vigor. A culpa é nossa, a culpa é de quem votou nos picaretas e não de qualquer ministro que votou de acordo com todas as normas vigentes. A culpa é de quem votou em quem tinha ficha suja, não de quem votou pela preservação das balizas instituídas constitucionalmente e pela observância de que a aplicação de tal regra nova só poderia gerar efeito a partir de um pleito que fosse realizado depois de, ao menos, um ano da publicação e da entrada em vigência desta nova lei, ou da tal lei da ficha limpa.
E, insisto, o fato de tais picaretas não serem mais elegíveis não vai tirar da vida pública tais cânceres políticos... Pois, em absoluto, tenho firmes convicções para afirmar que os mesmos vão usar de sua capacidade de manipulação e de seu capital eleitoral para elegerem seus filhos, seus netos, suas esposas ou seus afilhados, em geral. Assim, lhes asseguro, mesmo sem serem eleitos para qualquer cargo, lá estarão eles, ocupando outros postos, nos tais cargos de confiança, sejam em secretarias, em ministérios, seja onde e como for, fazendo aquilo que tão bem sabem fazer...
Por tais razões, e sem muito mais, não deixo de insistir: Vote consciente, vote nulo! Não deleguem para os outros a sua função política, tenha plena convicção da sua capacidade de se auto-gerir. Insisto, enxergo com melhores olhos a possibilidade de que cada um se represente e, obviamente, que juntos possamos nos representar enquanto coletividade, sem delegações de funções, sem perda de autonomia, sem representatividades falaciosas; enfim, para que possamos, assim, experimentarmos o poder popular (ou a verdadeira democracia), poder popular de fato, em suas máximas e mais plenas dimensões... Ou seja, sem mais mentiras, ou seja, com a efetiva ausência de um poder (usurpador e) central, em instancias de verdadeiras democracias, de poder coletivo em vias de fato; completamente, de verdade, na realidade, de fato, não só de direito...
Saudações libertárias!                                                                                                     
GH


RELATOS DE experiências


Estágio em Psicologia Escolar: relatando experiências


Introdução

Apresentação do estágio e do foco de intervenção

O Estágio Básico IV – foi realizado na área de Psicologia Escolar – na Escola Estadual Professora Elza Carneiro Franco (Polivalente), da cidade de Patos de Minas. Assim, realizamos um primeiro encontro com a professora que participa do processo de escolarização dos alunos do Tempo Integral. Este projeto é destinado às crianças cujos pais trabalham fora de casa o dia todo e diante disso deixam seus filhos na escola em tempo integral (manhã e tarde). Pela manhã, as crianças ficam todas juntas em uma mesma sala e desenvolvem diversas oficinas e são auxiliadas em relação ao “Dever de Casa”. À tarde as crianças vão para suas salas de origem.
A professora ainda disse que os estudantes formavam uma turma tanto de meninas, como também de meninos, entre seis a oito anos de idade, apenas alguns já sabiam ler e escrever e suas principais necessidades, ainda conforme ressaltou a professora, diziam respeito às seguintes questões: “eles necessitam de limites e valores em suas vidas, além de aprender hábitos relativos à higiene pessoal” (Sic).
Nesse sentido, realizamos dois encontros com as respectivas crianças (um no dia 02/03/2011 e outro no dia 16/03/2011), e ambos tiveram a duração de, aproximadamente, uma hora e meia. Em tais encontros, realizamos diversas atividades com os escolares e procuramos trabalhar com eles procedimentos lúdicos que envolvessem, basicamente, a questão dos limites e dos valores (respeito, companheirismo, educação, etc.) que eles deveriam ter frente aos colegas, professores, pais, dentre outras pessoas.

Teoria pertinente à área de intervenção

Os profissionais que atuam ou que ainda irão atuar em Psicologia, de um modo geral, ainda têm uma visão pré-concebida de que o consultório clínico constitui o espaço privilegiado para as demandas da população. Em se tratando de crianças com problemas de escolarização este paradigma merece um pouco mais de reflexões e elucidações.
Sendo assim, o psicólogo clínico diante de uma criança que é encaminhada por “supostamente” apresentar problemas de escolarização, irá quase que automaticamente, realizar um psicodiagnóstico que se pautem em questionários, testes psicológicos, além de verificar a condição econômica, social e cultural da família do aluno. Pois, esta segundo a teoria da carência cultural, por ser desestruturada, é a responsável pelo fracasso escolar de meninos e meninas. Diante disso o que fazer? Escrever laudos e mais laudos psicologizando e patologizando os estudantes, visto que a “origem” de seus problemas são meramente e tão somente intrapsíquicos, emocionais, inconscientes e não parte de uma estrutura mais ampla e plural?
Ao discutir a respeito  desse psicodiagnóstico, o objetivo não é o de desqualificá-lo. Pelo contrario, sabe-se que testes psicológicos, por exemplo, são importantes, mas não se pode ser reducionista e pensar que apenas eles e a família da criança vão ser capazes de justificar o fracasso escolar. Por isso, é bastante pertinente que os psicólogos conheçam a escola da qual o seu paciente faz parte. Assim, entram em cena, os professores, os colegas de sala de aula, a metodologia utilizada, a forma como o processo de ensino-aprendizado é percebido pelo projeto político pedagógico da escola, e acima de tudo, como este é colocado em prática. Dito de outra forma:

O desconhecimento dos psicólogos em relação à estrutura e ao funcionamento das escolas públicas no Brasil, somado ao preconceito em relação às famílias pobres, são muitas vezes justificados e camuflados por teorias psicológicas que explicam  tudo pelos mecanismos intrapsíquicos da criança e pelas relações familiares que os determinam. [1 ]


Perambular pelos espaços escolares, a fim de conhecer um pouco da realidade dos mesmos (infra-estrutura, atividades recreativas e lúdicas, por exemplo), e estabelecer um diálogo com todos aqueles que, de uma forma ou de outra, participam do processo de escolarização da criança é algo que amplia a visão do profissional em psicologia acerca do plano de trabalho que ele irá traçar para a dinâmica dos atendimentos.
Nesse sentido, é preciso teorizar menos e partir da própria realidade dos sujeitos. Uma vez que é necessário desconstruir a noção de sujeitos abstratos que, conforme imaginamos, irão “perfeitamente” se encaixar em pressupostos teóricos estabelecidos de antemão pelo psicólogo. Desse modo, ao invés de adequá-los as teorias é pertinente, antes de qualquer coisa, analisar as suas demandas, desejos, anseios, medos, expectativas, ou seja, é essencial abrir um espaço para a escuta, para os aspectos lúdicos. Já que é através do brincar que a criança expressa a sua criatividade, espontaneidade e descobertas frente ao mundo que a cerca, além de melhorar as suas teias de relações com o outro. Outra questão que vale ser lembrada é a de que devemos enfatizar o que a criança tem de positivo. Sendo assim, é relevante indagar, quais são suas potencialidades, suas capacidades, ao invés de ficarmos enclausurados tão somente no que ela carrega de negativo e que, conseqüentemente, a desvia de tudo aquilo que elegemos como um padrão a ser seguido pelos discentes.
Com o objetivo de compreender ainda mais o que foi exposto em linhas anteriores, eis mais algumas palavras:

Não se importam  se a criança brinca, é criativa, vivaz, alegre, características reveladoras de saúde mental. Atêm-se apenas ao caráter ‘perturbador’ desses comportamentos e, ainda que involuntariamente, trabalham  para a submissão e a adaptação da criança ao seu meio social [...] Ao tratar a criança que não atinge o tipo almejado socialmente, o psicólogo está realizando um trabalho adaptativo e discriminatório, predominando a idéia de que a diversidade precisa ser domesticada e uniformizada.[2 ]  

A partir de tais constatações é relevante pensar que, é mais do que esperado, que as crianças que estejam no início do processo de escolarização, não vão ter o comportamento de ficarem quietas, caladas, sentadas (como se fossem mini-robôs ou mini-adultos) no interior de uma sala de aula. Desse modo, é preciso percorrer outros caminhos para que o processo de ensino-aprendizagem venha à tona. Uma hipótese plausível a ser levantada seria a de trabalhar com o brincar, com o lúdico, com elementos menos mecanicistas e mais práticos e criativos.
Portanto, refletir a respeito de tais questões talvez fosse o primeiro passo para deixarmos de reproduzir práticas que são descoladas e deslocadas  do contexto do próprio desenvolvimento infantil e, assim, construirmos um leque de possibilidades para que a inquietude, o brincar, as descobertas da criança não sejam encaradas e tidas como patológicas.

Desenvolvimento

Descrição das atividades realizadas em supervisão:

   As atividades realizadas em supervisão consistiram em, basicamente, discutir e refletir acerca das atividades que iríamos elaborar para os alunos e se estas eram condizentes com a realidade dos mesmos. Assim, após as duas intervenções que fizemos, relatamos as nossas angustias, frustrações, anseios, expectativas, dúvidas, percepções, mas acima de tudo, o nosso aprendizado em relação aos encontros com as crianças. Sendo assim, concluímos que é por meio da prática, isto é, das diferentes experiências e vivências que iremos nos tornar cada vez mais seguros e aptos para a concretização do nosso trabalho, enquanto futuros profissionais em psicologia.

Relato das intervenções contendo (por encontro)
 
Preparação (descrição das atividades):

 No primeiro encontro (02/03/2011) com as crianças, realizou-se uma atividade de apresentação. Esta se embasou na explicação (de uma forma que fosse adequada a linguagem das crianças e que fosse também acompanhada de elementos lúdicos) do que viria a ser Psicologia e de  como seriam nossos encontros (horários, dias, etc.). Em seguida, partimos para apresentação, propriamente dita, de nós (estagiárias) e dos alunos. Essa atividade consistiu em entregar um papel para cada criança e pedir que ela escrevesse o seu nome e em seguida colocar dentro de um balão e enchê-lo. Após isso, ligamos o som e ficamos dançando, jogando os balões para cima ao som de uma música. Assim que a música parou cada um pegou um balão e ia estourando e dizendo o nome da pessoa que estava escrito, em seguida era entregue para essa pessoa um crachá com o nome dela (que foi confeccionado pelas estagiárias) e duas balas.
Em um segundo momento, pedimos para os alunos pensarem em algumas regras (combinadas) que seriam válidas para todos os encontros, com o objetivo de que o grupo obtivesse um bom desempenho nas atividades.
Em um terceiro momento, foi feita a análise da demanda, através das seguintes perguntas: Minha professora do Projeto Integral é...
O que mais gosto de estudar...
Como seria a escola dos meus sonhos...
O que você acha dos seus colegas...
O que você acha de ficar o dia todo na escola...
Em um quarto momento, foi feita a seguinte atividade: “Votação dos temas a serem trabalhados”: Essa atividade não foi realizada devido ao tempo, mas com ela tínhamos a intenção de descobrir quais os temas que as crianças gostariam que fossem trabalhados nos próximos encontros, pois isso iria nos nortear para a realização dos mesmos.
Por fim, realizou-se uma dinâmica de encerramento: Salada de Frutas. O objetivo dessa dinâmica é o de aquecer o grupo, mas no caso dessa intervenção ela foi realizada no final, pois as crianças já estavam relativamente dispersas e decidimos que era necessário fazer algo que não fosse tão teórico e aprofundado, tratamos então essa dinâmica como uma brincadeira para finalizar o encontro. Essa dinâmica então consiste em pedir para os participantes para formarem um círculo com as cadeiras e dizer que cada um deve guardar o nome da fruta que será: banana, laranja, maça e salada de frutas. Depois solicitar que um participante vá até o centro do círculo e passe as orientações: Quem estiver no centro poderá dizer: laranja (todas as laranjas mudam de lugar), banana (todas as bananas mudam de lugar), maçã (todas as maças mudam de lugar) ou salada de fruta (todos mudam de lugar). Ao dizer qualquer uma das consígnias, o participante que estiver no centro deverá procurar um lugar para se sentar. Sempre sobrará uma pessoa no centro.
Por sua vez, o segundo encontro, ocorreu no dia (16/03/2011) e foram realizadas as atividades descritas a seguir: 
Primeiramente entregamos os crachás e duas balinhas.
Depois mostramos o cartaz de combinados e ressaltamos, mais uma vez, as “regras” a serem seguidas para um bom funcionamento do grupo como um todo.
Em um terceiro momento, através de fantoches, narramos (de uma forma também bastante lúdica) a história “O amor e o tempo” e realizamos uma breve reflexão acerca da mesma. Abaixo segue a história:
Era uma vez uma ilha onde moravam os seguintes sentimentos: A ALEGRIA, A TRISTEZA, A VAIDADE, A SABEDORIA, A RIQUEZA E O AMOR.
Um dia avisaram para os moradores desta ilha que ela seria inundada. Apavorado, O AMOR cuidou para que todos os sentimentos se salvassem:
- Fujam todos! A ilha será inundada. O AMOR avisou.
Todos correram e pegaram seu barquinho para ir a um morro bem alto. Só O AMOR não se apressou, pois queria ficar um pouco mais em sua ilha. Quando já estava quase se afogando, correu para pedir ajuda. Estava passando A RIQUEZA e ele suplicou:
- RIQUEZA, leve-me com você!
- Não posso. Meu barco está cheio de ouro e prata e você não vai caber.
Passou então a VAIDADE, e o AMOR pediu:
- Oh, VAIDADE, leve-me com você!...
- Não posso, respondeu a VAIDADE. Você vai sujar o meu barco.
Logo atrás vinha a TRISTEZA.
- TRISTEZA, posso ir com você?
- Ah, AMOR... Estou tão triste que prefiro ir sozinha.
Passou a ALEGRIA, mas ela estava tão alegre, que nem ouviu o AMOR chamá-la. Já desesperado, achando que ficaria só, o AMOR, então, começou a chorar. Nesse momento, passou um barquinho comandado por um velhinho. E ele, então falou:
- Sobe, AMOR, que eu te levo e te salvo.
O AMOR ficou radiante de felicidade, que até se esqueceu de perguntar o nome do velhinho. Chegando no morro alto, onde já estavam todos os sentimentos a salvo, o AMOR perguntou à SABEDORIA:
- SABEDORIA, quem era o velhinho que me trouxe aqui?
A SABEDORIA respondeu:
- OTEMPO.
- O TEMPO?... Mas porque só o tempo se dispôs a me trazer até aqui?
- Porque só o tempo é capaz de ajudar a entender um grande AMOR. 
Em um quarto momento, realizamos a atividade: “Vamos levar a escola”: Essa atividade teve como objetivo fazer uma ligação com a atividade anterior, na qual as crianças confeccionaram um barco de papel e o enfeitaram e escreveram quais os sentimentos que elas têm em relação à escola e o que gostariam de levar a ela.
Já em um quinto momento, foi feita a “Dinâmica o presente”: Com essa dinâmica, encerramos nossas atividades e para isso levamos um “presente”, o qual não era de ninguém, mas sim de todo o grupo. Fomos falando algumas características e repassando o presente entre várias crianças. Essa dinâmica teve o objetivo de trabalhar a atenção, a observação, o desapego, a sinceridade, a emoção de dar e repartir um bem recebido, demonstrando o intuito de construir um mundo mais solidário e mais humano.
Por fim, nos despedimos das crianças e ressaltamos que este seria o nosso último encontro, mas que em outras ocasiões outros estudantes do curso de psicologia estariam com eles.


-Relatos das experiências:

Realizar intervenções em grupo de crianças (doze, aproximadamente), entre seis e oito anos de idade consistiu em uma experiência indescritível. Indescritível porque possibilitou com que percebêssemos que o nosso trabalho não é composto tão somente de “alegrias”, mas também de frustrações, anseios, expectativas. Nesse sentido, nem sempre o que planejávamos tinha possibilidades de ocorrer na prática.
Logo, notamos que pela própria questão de estarmos lidando com crianças, o elemento lúdico é o que deveria prevalecer nos encontros. Pois, pouco adianta ficar teorizando quando o objeto de intervenção se refere ao universo infantil, isto é, as atividades teriam que ser condizentes com a realidade dos escolares escolhidos para o referido estágio.
Outra questão que vale a pena de ser salientada diz respeito ao fato de que devemos ter em mente, qual é o nosso papel no interior do grupo. De maneira que, durante o desmembrar dos encontros e também das supervisões, se tornou evidente que não estávamos ali para cumprir a função de professores. Pois, enquanto futuros psicólogos o nosso trabalho deverá se pautar em outra direção, assim, ao invés tentar aplicar a todo o momento, disciplina, ordens, fazer com que os alunos ficassem quietos... Direcionamos o nosso olhar para compreender o comportamento das crianças, a manifestação e expressão de seus sentimentos e emoções, dirigimos a nossa atenção para o que elas têm de positivo (ao invés de perceber tão somente o que elas têm de negativo), e a partir daí tentar promover momentos de reflexões com as possibilidades que os escolares nos ofereceram.
Portanto, acredito ainda que da mesma forma que aprendemos com os escolares, de um modo ou de outro, eles também aprenderam conosco. E é esse aprendizado que torna as experiências tão ricas e diversificadas.

Considerações Finais

A realização do Estágio na Área Escolar foi de suma importância para o alargamento dos meus conhecimentos, tanto do ponto de vista teórico, mas acima de tudo do ponto de vista prático. Assim, através da leitura dos pressupostos teóricos pude refletir e pensar em uma série de dinâmicas e intervenções que poderiam vir a ser aplicadas, a partir da demanda apresentada pelo grupo de crianças em que direcionamos o nosso trabalho.
Por outro lado, aprendi que é por meio da prática, das experiências cotidianas, dos desafios vivenciados a cada novo encontro, das alegrias e descobertas compartilhadas com as outras estagiárias e com a professora orientadora, que a teoria adquire consistência, isto é, significado.
Portanto, percebi que de nada adianta ficarmos presos a manuais e livros acerca do conteúdo trabalhado, se  não entrarmos em contato, de fato, com aqueles sujeitos (concretos) que compõe o nosso laborar (seja em qual área e/ou abordagem escolhida). Pois, é através da pluralidade que encontramos nos escolares que o nosso crescimento, enquanto seres humanos e também enquanto profissionais, se torna possível.

Fernanda Caroline de Melo Rodrigues é graduada em História pelo Unipam  ( Centro Universitário  de Patos de Minas)  e graduanda em Psicologia pela mesma instituição.

Notas
[1] FRELLER, C. C. Crianças portadoras de queixa escolar: reflexões sobre o atendimento psicológico. In: Machado, A.M.M.; Souza, M.P.R.. (Org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. 4ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p.68.

[2 ]  FRELLER, C. C. Psicologia Escolar: Em Busca de Novos Rumos. In: Grupos de crianças com queixa escolar: um estudo de caso, p.75.



ENTREVISTAS


Já está online a Rádio Cordel Libertário
[Individualidades anarquistas da cidade de Salvador (BA) colocaram no ar, via internet, a Rádio Cordel Libertário. Ao acessá-la, o internauta de qualquer parte do Brasil e do planeta poderá conferir noticiários, entrevistas, músicas e muito mais. Eles conversaram com a ANA sobre este projeto, confira a seguir.]
Agência de Notícias Anarquistas > O que é a Rádio Cordel Libertário?
Resposta < A Rádio Cordel Libertário nasceu com o intuito de aumentar a comunicação entre os diversos movimentos libertários/anarquistas tanto da região nordeste como de outras regiões do Brasil e do mundo, utilizando-se da internet para estabelecer um veículo de comunicação diário que preze a interatividade e a diversidade. Dessa forma tivemos a idéia de fazer uma rádio online, principalmente pelo motivo de não conhecermos qualquer outra rádio online que seja diária, e nós libertárias/os só podermos ter acesso a informações do que acontece no Brasil e no mundo através de material escrito, que muitas vezes só temos o papel de receptador de informações.
Além de ser uma rádio no nosso blog oferecemos noticias que são vinculadas nas principais fontes de noticias libertárias/anarquistas.
O nome Cordel Libertário vem de um meio de comunicação bastante utilizado pelo povo nordestino, a Literatura de Cordel, como de propagar o conhecimento e a informação de uma forma, e Libertário porque compartilhamos dos ideais de luta por liberdade que só pode ser conquistado se ela for meio e fim para o ser humano se libertar de todas as opressões.
ANA > E como é o conteúdo da rádio, a programação?
Resposta < A Rádio além de oferecer uma programação musical bastante diversificada valorizando os sons locais, mas com letras de cunho libertário, também oferece um noticiário diário.
ANA > Há programas ao vivo?
Resposta < A principal programação da Radio é o noticiário Cordel Libertário Noticias, que acontece de segunda a sexta-feira a partir das 21h10, horário de Brasília, ao vivo, com participações de ouvintes seja pelo chat existente no blog seja falando ao vivo através do Skype. Nesse noticiário tentamos fazer uma busca das noticias vinculadas nos principais sites dos movimentos libertários/anarquistas, também tecemos comentários com um perspectiva libertária sobre o que foi divulgado na Grande Mídia (canais de TV e jornais), e também fazemos especiais de entrevistas com pessoas que estejam inseridas em algum espaço de luta libertária em qualquer lugar do Brasil e do mundo.
ANA > Individualidades ou um grupo estão envolvidos diretamente com este projeto?
Resposta < Quem iniciou o projeto são indivíduos que moram na cidade de Salvador, Bahia, que se interessaram por esse trabalho, mesmo sabendo do grande desafio que é fazer uma espaço de comunicação verbal, e com objetivo de contrapor aos veículos de comunicação burguês.
ANA > E como as pessoas de outras cidades podem colaborar?
Resposta < Como estamos iniciando esse projeto, temos naturalmente muitas dificuldades para ter acesso as informações sobre o que acontece no nordeste e, principalmente, no resto do Brasil, dessa forma precisamos estabelecer uma rede de comunicação com os diversos movimentos libertários/anarquistas do país e integrá-los diretamente na programação da nossa rádio, seja através de e-mails com informes do que acontece em sua região ou das respectivas ações desses movimentos, ou através de abertura ao vivo para falarem o que acharem importante divulgar.
Como o objetivo dessa rádio é manter um noticiário de segunda a sexta, também temos o problema da disponibilização de pessoas para serem colaboradoras/es na programação, por isso, deixamos o convite para quem tiver interesse em colaborar na programação da rádio que entre em contato conosco que, com certeza, serão bem vindas/os na construção de mais um espaço de contrainformação, que possibilite a organização e a luta libertária.
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