quarta-feira, 4 de março de 2009

EIDOS INFO-ZINE # 14


Editorial,


Caros Amigos,


Depois de um intervalo não muito longo, ao contrário do que aconteceu nas edições anteriores, o Eidos está de volta.
Na sua 14ª edição, o Eidos traz a tradução do artigo “Action Directe” de Daniel Colson, onde este aborda alguns dos fundamentos teóricos e práticos do conceito de ação direta. Logo em seguida, temos o artigo de Diego Santos sobre o transporte público em Patos de Minas... parece que a coisa vai de mal a pior mesmo. E por fim, publicamos um artigo de Thiago Lemos Silva sobre a trajetória de Neno Vasco, esse anarquista de difícil classificação.
Como dizia Michel Foucault, se a solidão é condição básica para a dominação, então a união se torna condição básica para a resistência.

Boa leitura e anarquizem!

Contatos

Fernanda Caroline de Melo Rodrigues: fernandaanarquista@yahoo.com.br
Thiago Lemos Silva: thiagobakunin@yahoo.com.br


Ação Direta



Noção prática e teórica inventada pelo sindicalismo revolucionário e anarco-sindicalismo, e que se inscreve na continuidade da propaganda pelo fato anarquista dos anos anteriores, a ação direta, na sua acepção libertária, abraça a totalidade das atividades do ser humano e de suas relações com o mundo. De forma circunstancial (mas, para o anarquismo existem apenas circunstâncias), a noção de ação direta fornece uma chave essencial para apreender a natureza do projeto libertário. Emile Pouget, um dos líderes da C.G.T francesa de antes de 1914, dá a seguinte definição.

“A ação direta, manifestação da força e da vontade operária, se materializa seguindo as circunstâncias e o meio, por atos que podem ser muito anódinos, como também podem ser violentos. É uma questão de necessidade, simplesmente. Não há portanto forma específica à ação direta”.

Aberta por um infinito de possibilidades, “força plástica” e, desse ponto de vista bastante próxima da atividade genérica de Nietzsche ou do ser unívoco de Deleuze, a experiência que dá corpo a idéia de ação direta está estreitamente ligada a prática sindical tal como o sindicalismo revolucionário e o anarco-sindicalismo poderiam concebê-la. Essa concepção se produz, se exprime por meio de duas grandes operações sucessivas ou simultâneas.
Primeira: uma operação fundadora. O sindicato revolucionário deve imperativamente se liberar, pelo conflito e pela ruptura, dos fundamentos simbólicos da lei, da representação e da negociação. Ele recusa a ser o “intermediário”, “o encarregado dos interesses operários”. Sobre o duplo plano da realidade do movimento operário e de suas relações com outras forças sociais, ele deve recusar a ser “a pessoa interposta” que, pelo seu estatuto de representante, separa o que se pretende unir, transforma a ligação que ela propõe em entrave, proíbe toda a associação direta e combinação de forças físicas, intelectuais e naturais da classe operária. Recusando-se a se desenvolver sobre a cena falsamente racional, transparente e ordenada do direito e da representação, o sindicato não deve somente permanecer na irregularidade, na diversidade e na aparente incoerência da vida operária, mas, “pli dans pli” se incluir e se implicar na sua intimidade de agrupamento autônomo. É a essa condição, em razão da autonomia de sua intimidade preservada e da concentração que ela supõe, que o sindicato é capaz de, por um lado, perceber e focalizar uma vida operária muito complexa nas suas manifestações de detalhe para se prestar as inércias dos dirigentes, e, por outro, de exprimir essa vida operária, de torná-la a tribuna e o local das preocupações íntimas dos trabalhadores.
Segunda: laboratório de lutas econômicas, segundo a fórmula de Pelloutier, aglomerado vivo e vibrante para Pouget, novo fundidor da revolução social para Griffuelhes, o sindicato pode então, dentro dessas condições, se unir e se confrontar a outros, alargar sua intimidade singular a partir da perspectiva de conjunto das organizações operárias (outros sindicatos, cooperativas, agrupamentos diversos, bolsas de trabalho, federações de ofícios ou de industrias, confederações, internacionais). Graças a essa união e a essa confrontação, cada sindicato aumenta a sua própria força, aumenta a intensidade de sua percepção da vida operária, alarga a acuidade e a riqueza de seu ponto de vista, para enfim fazer valer a potência da vida assim criada e acumulada, a desenvolvê-la fora, até a luta suprema que será a greve geral revolucionária.
Daniel Colson

Fonte: Colson, Daniel. Action Directe, in: http://raforum.info/spip.php?article2881&lang=fr. Livre tradução de Thiago Lemos Silva.




A questão do transporte coletivo em Patos de Minas.


De alguns anos pra cá, os aumentos sofridos no preço da tarifa cobrada pela Pássaro Branco, empresa que granjeia o transporte coletivo em Patos de Minas, tem preocupado cada vez mais a população da cidade.
E não é para menos que deixem de se preocupar, pois, atualmente o preço cobrado pela passagem é de 2 reais, valor que quando somado ao fim do mês, faz falta no bolso, principalmente do trabalhador, que constitui, sem sombra de dúvidas, o segmento social mais prejudicado.
Além do alto valor a ser a pago, o passageiro tem que conviver com um sistema viário mal integrado, que o obriga a pegar mais de uma condução para chegar a localidade que deseja. E tudo isso, sem mencionar que Patos de Minas não pode nem ser considerada uma cidade de porte médio. Se comparada as cidades de maior porte, como Uberlândia por exemplo, que além de possuir um sistema viário mais integrado e cobrar uma tarifa cujo preço é inferior a 2 reais, somos, praticamente, forçados a concluir que o preço cobrado em Patos de Minas é absurdo.
Como era bastante previsível, este tema foi preocupação dos políticos patenses no ano de 2008. Durante a realização da campanha eleitoral para prefeito de Patos de Minas, todos os candidatos, de uma forma ou de outra, apresentaram propostas que teriam por objetivo diminuir o preço da passagem cobrada em até 30%.
Todavia, quando findaram as eleições, a candidata eleita Béia Savassi, mudou substancialmente a tônica do seu discurso. Sempre que, quando questionada a respeito do que iria fazer para solucionar o problema, a prefeita só conseguiu dar respostas esquivas, que tendiam a mostrar o quão grande era o seu bom coração e o quão pequeno era o seu bom senso.
Ora, é claro que a resolução de tal problema não pode ser encontrada em um palavrório sentimentalista, mas, sim em medidas práticas, que resultem na redução imediata do alto preço cobrado pela passagem de ônibus na cidade.
Mas, como não poderia deixar de ser diferente, essas medidas práticas só serão tomadas quando a população patense, através da sua ação direta, exigir e impor a necessidade de uma tal mudança.

Diego Santos




Neno Vasco: um anarquista “desclassificado”


Há 3 ( três) anos, quando iniciei meus estudos sobre o movimento anarquista e o movimento operário no Brasil durante o contexto que abarca o período 1ª República, me deparei pela primeira vez com o nome de Neno Vasco.
Neno Vasco, pseudônimo de Gregório Naziazeno Moreira de Queiroz Vasconcelos, nasceu em Penafiel, no norte de Portugal, em 09 de maio de 1978. Seguiu ainda criança, aos 8 ou 9 anos de idade, para o Brasil na companhia do pai e da madrasta, tendo posteriormente regressado a Portugal, para a casa dos avós paternos com o objetivo de concluir os seus estudos ginasiais. Depois que concluiu o liceu, matriculou-se na faculdade de Direito de Coimbra. Foi durante ainda a sua estadia na academia lusitana que aderiu, em conjunto com um grupo de jovens estudantes, ao anarquismo.
Em 1900, após ter retirado o diploma de bacharel em Direito, Neno Vasco emigrou para o Brasil com o intento de reencontrar seu pai. Assim como diversos outros imigrantes europeus, aqui retomou e concluiu a sua formação política. Vivendo em uma época de profundas transformações na sociedade brasileira, onde começavam a circular as primeiras idéias socialistas, a surgir inúmeras entidades de trabalhadores e a serem travadas as primeiras lutas no campo social, Neno Vasco deu início a quase duas décadas de atividades realizadas e desenvolvidas junto ao movimento anarquista e ao movimento operário. Em 1911, mesmo depois ter retornado a Portugal, continuou a participar da imprensa anarquista e a influenciar o movimento operário brasileiro. Em 1920, Neno Vasco morreu de tuberculose. Em um rasgo de solidariedade, os companheiros que ele deixou no Brasil realizaram uma campanha para ajudá-lo financeiramente.
Assim, na medida em que travei meu contato inicial com a historiografia brasileira do movimento anarquista, bem como do movimento operário e, conseqüentemente vi aumentar meu conhecimento sobre Neno Vasco, fui ficando cada vez mais curioso e intrigado com as várias questões que me eram colocadas. Mesmo por que, ora de forma explícita, ora de forma implícita, os historiadores já colocaram, por diversas vezes, as dificuldades em classificá-lo.
Ao relatar a sua atuação junto ao movimento anarquista e ao movimento sindicalista, Edgar Rodrigues não faz mais que sublinhar tais dificuldades.



“[...] nunca se apresentou como conferencista nem tomou parte em qualquer congresso, comício ou sessão porque não tinha temperamento para se defrontar com o público; não obstante defende com veemência a organização sindicalista e sustentou pela imprensa polemica de grande envergadura contra o anti sindicalismo preconizado por alguns anarquistas[1]”.

Sem dúvida Neno Vasco foi um anarquista que defendeu a necessidade da organização operária. Entretanto, paradoxalmente, ele não foi nenhum animador da vida sindical. De acordo com os registros deixados, Neno Vasco não colocou, jamais, o pé em uma liga de resistência, nunca pediu a palavra nos meetings públicos e nem participou de qualquer um dos congressos operários realizados no Brasil. Foi como jornalista que ele marcou a sua presença; ou seja, foi através dos vários jornais e revistas que dirigiu ou com os quais colaborou, — “O Amigo do Povo”, “A Terra Livre”, “Guerra Social”, “A Voz do Trabalhador”, “Kultur” e “Aurora” — que ele deu sua contribuição. Essa atividade foi de suma importância para a construção de um espaço deliberativo (ainda que informal) para a formulação e o encaminhamento das reivindicações operárias.
Alexandre Samis, ao comentar suas atividades culturais desenvolvidas no campo do proselitismo anarquista, se depara com dificuldades similares.


“[...] Um tipo de intelectual, talvez menos prolífero nas artes, era aquele que como Neno Vasco buscava interferir em tudo um pouco, para prestar sua colaboração muitas vezes em prejuízo da sua carreira profissional [...] Foi com esse espírito que Neno Vasco procurou promover as mais variadas atividades, nos mais variados locais[2]”.

Embora não fosse propriamente um artista, Neno Vasco procurou “interferir em tudo um pouco”, escrevendo peças para o teatro social, como “Natal” e “A Greve dos Inquilinos”; traduzindo para o português, obras de autores anarquistas internacionalmente reconhecidos, como Pietro Gori, de quem ele traduziu a peça “Primo Magio”; desenvolvendo campanhas para a reforma gramatical da língua portuguesa e apoiando a difusão do ensino racionalista. Tudo isso com o objetivo de complementar a luta no campo econômico e ampliar os horizontes intelectuais da classe trabalhadora.
Ao introduzir e discutir o seu pensamento político, Jacy Alves de Seixas também não encontra tarefa das mais fáceis.


“Ele reivindica, primeiramente, a influência de Malatesta, a atenção que esse último da à organização e ao movimento operário; em seguida a Pelloutier [...] e, finalmente a dos sindicalistas revolucionários franceses (sobretudo Pouget, Yvetot, Delessale). Mas a sua adesão ao sindicalismo revolucionário, que para ele representa apenas um “simples eufemismo” de anarquismo operário, não é sem falhas, precisamente em razão da persistência nele da influência malatestiana[3]”.


Em virtude dessa influência, Neno Vasco parece ter se tornado um desconfiado em relação a toda e qualquer forma de exclusivismo, fosse ele o sindical ou o anarquista. As suas duas principais obras “Da porta da Europa” e “Concepção anarquista do sindicalismo” nos fornecem um largo testemunho disso.
E é verdade que Neno Vasco não se deixa classificar facilmente. Entre ditos e não ditos, ele mesmo deixa escapar uma pista, que pode fornecer os elementos necessários para entender as dificuldades que os historiadores sempre encontraram ao cartografar a sua vida e a sua obra. Vejamos mais de perto no que ela consiste. Em março de 1904, as páginas da revista anarquista Kultur registram o início de um assíduo e fervoroso debate entre Elyseo de Carvalho e Neno Vasco. No referido debate, os dois prosélitos libertários polemizavam sobre as diferenças existentes entre as duas correntes anarquistas que atuavam junto ao movimento operário no Brasil.
Elyseo de Carvalho nos esclarece que para evitar mal-entendidos, sobre a doutrina anarquista no Brasil, devemos diferenciar de uma parte os anarco-comunistas, e, de outra parte os anarquistas individualistas. Os primeiros, diz ele, se organizam na cidade de São Paulo, formando a tendência majoritária,


“Calculando-se o seu número entre nós em perto de 10.000 seguramente. Eles contam com militantes expressivos tais como Neno Vasco, Oreste Ristori, Giulio Sorelli e Alessandro Cerchiai [...] Eles são revolucionários, condenam toda tática parlamentar, defendem a greve geral, aprovam o sindicalismo, e combatem a atual sociedade para estabelecer o comunismo [...] como concebe Kropotkin, Reclus, Malatesta e Hamon, um sistema social no qual a propriedade seja comum[4]”.


Já os segundos, conforme ele assevera avançando na sua explanação, se organizam na cidade do Rio de Janeiro,


“Constituem uma tendência minoritária, representada (por ele próprio), Mota Assunção e Juan Mas y Pi. Assim como os anarco-comunistas, os anarquistas individulaistas rejeitam a prática parlamentar, mas, não aprovam o sindicalismo e a greve geral. O seu objetivo é instalar uma sociedade onde, uma vez o Estado destruído, o individuo satisfará plenamente as suas necessidades por sua atividade privada, admitindo ainda como possível a vida em comum (teoria do eu associado) mas praticada por associações de egoísmos absolutos, como quer Stirner, visto que a livre expansão das energias [...] basta para assegurar uma vida harmônica entre os homens[5]”.


A resposta ao artigo de Elyseo de Carvalho não tardou muito para aparecer. Sob a pena de Neno Vasco, que havia sido arrolado e classificado como um dos dez mil anarco-comunistas da cidade de São Paulo lê-se o seguinte comentário.


“Dez mil comunistas! E eu no meio de tanta gente [...] Uff! Deixem me sair, dêem me licença meus senhores. Tenho sempre evitado os ajuntamentos: sofro de falta de ar e o calor e a poeira me incomodam. [...] o melhor seria talvez ter me deixado desclassificado, pairando no vago, no indeciso, nem sim nem não, antes pelo contrário, numa indeterminação de nebulosa, em pleno céu azul sob, sob o sol claro”[6]


Como se pode evidenciar é difícil, quiçá impossível, classificar rigorosamente Neno Vasco. A despeito (ou precisamente em razão) disso, pode se indagar: até que ponto isso deve se converter em uma preocupação? Será que a originalidade da sua contribuição ao movimento anarquista e ao movimento operário não reside justamente nas tensões que atravessam sua prática e pensamento? Será que sua recusa em aceitar uma classificação, ou melhor, de ser e permanecer um “desclassificado”, não traduz o seu esforço para romper com os esquemas prontos e acabados de ação política? Será que a sua opção por agir em vários lugares e de várias maneiras não significa uma tentativa de diversificar e ampliar o campo da militância anarquista?

Thiago Lemos Silva

[1] RODRIGUES, Edgar. Socialismo e Sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemert, 1969, p.56.

[2] SAMIS, Alexandre. Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo e anarquismo no Brasil. História do Movimento Operário Revolucionário. São Paulo: Imaginário, 2004, p.67.

[3] SEIXAS, Jacy Alves de. Memoire et oubli: Anarchisme et Syndicalisme revoluttionaire au Brésil. Paris: Editions de la Maison des Sciences de l’Homme. 1992, p.167.

[4] CARVALHO, Elyseo. O movimento operário no Brasil. Kultur, nº2,Março de 1904, p. 13.

[5]CARVALHO, Elyseo. O movimento operário no Brasil. Kultur, nº2, Março de 1904, p. 13.

[6]VASCO, Neno. Individualismo + Comunismo: (carta dum classificado). Kultur, nº 2, Abril de 1904, p.18.

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