terça-feira, 29 de janeiro de 2008

EIDOS INFO ZINE # 12



EDITORIAL


"Só se aprende a lutar na luta"
Errico Malatesta.







É COM MUITA ALEGRIA E SATISFAÇÃO QUE ME PROPONHO A RETOMAR E CONTINUAR COM AS ATIVIDADES QUE, SOZINHO OU COM O APOIO DE OUTROS AMIGOS, REALIZEI NAS ONZE EDIÇÕES IMPRESSAS DO EIDOS INFO-ZINE AO LONGO DOS ÚLTIMOS 8 ANOS.

O EIDOS INFO-ZINE SURGIU EM 2000, SOB MINHA INICIATIVA E DO MEU AMIGO BRENO GEOVANE. INICIALMENTE OS TEMAS APRESENTADOS E DISCUTIDOS NO INFORMATIVO GRAVITAVAM EM TORNO DO ANARQUISMO, DO ANTI-CLERICALISMO E DO ANTI-MILITARISMO. EM 2003, POR MOTIVO DE ESTUDOS, BRENO SE VIU OBRIGADO A ABANDONAR O PROJETO. EM 2004, COM O APOIO DE DANIEL PEREIRA, CLARISSE RUSSO E THIAGO DE OLIVEIRA DEI CONTINUIDADE AO EIDOS. AOS POUCOS O INFORMATIVO FOI ACOMPANHANDO E EVOLUINDO CONFORME O INGRESSO E PARTICIPAÇÃO DOS NOVOS INTEGRANTES. ITENS COMO FEMINISMO, RACISMO ENTRE OUTROS COMEÇARAM A INTEGRAR E FAZER PARTE DAS PÁGINAS DO EIDOS. NO ANO DE 2005 FERNANDA CAROLINE E ISMAEL CARRILHO "ENTRARAM PARA O NOSSO TIME", DANDO AS SUAS RESPECTIVAS CONTRIBUIÇÕES, A PRIMEIRA FOCALIZANDO TEMÁTICAS LIGADAS AO MUNDO OPERÁRIO E O SEGUNDO PUBLICANDO PARTE DE SUA PRODUÇÃO LITERÁRIA. EM 2006, ANO DA ÚLTIMA PUBLICAÇÃO IMPRESSA DO EIDOS, TODOS OS INTEGRANTES, POR MOTIVOS DE ESTUDO OU TRABALHO, SE VIRAM OBRIGADOS A "DAR UM TEMPO" COM O PROJETO.

EM 2.008, RESOLVI RETOMAR A PUBLICAÇÃO DO EIDOS, AINDA QUE SOB A FORMA DE BLOG. A DESPEITO DAS PEQUENAS DIFERENÇAS DE FORMATO, O EIDOS CONTINUA COM O MESMO OBJETIVO DA PRIMEIRA EDIÇÃO: AJUDAR A SISTEMATIZAR E DIFUNDIR A MEMSAGEM, A MEU VER ATUALÍSSIMA, DO ANARQUISMO, ERROANEAMENTE TOMADO, AINDA, PELA MAIORIA DAS PESSOAS COMO SINÔNIMO DE ROMANTISMO INGÊNUO E UTOPISMO INFANTIL. ACREDITO QUE A ATITUDE DESSAS PESSOAS SE PAUTA PELO MEDO EM RELAÇÃO AO NOVO; EM RELAÇÃO À LIBERDADE. COMO LEMBRA ERICH FROMM, DIANTE DO INÉDITO, ESSAS PESSOAS PREFEREM O FAMILIAR.

NO ENTANTO,ESTAMOS AI!!!! NA PELEIA!!!!! NA ÉPOCA DO "CONSENSO FABRICADO", COMO DIRIA NOAM CHOMSKY, OU DO "CONSENTIMENTO SEM CONSENTIMENTO", COMO DIRIA JACY ALVES DE SEIXAS, OUSAMOS DISSENTIR E COLOCAR NA ORDEM DO DIA A LUTA POR UMA SOCIEDADE MAIS LIVRE E IGUALITÁRIA, ONDE NÃO HAJAM EXPLORADOS E EXPLORADORES E NEM DOMINADOS E DOMINADORES; ENFIM POR UMA SOCIEDADE ANARQUISTA.



ESPERO QUE APRECIEM A LEITURA.


ABRAÇOS LIBERTÁRIOS.



THIAGO LEMOS SILVA




Alcances e Limites da Ação Sindical: ecos da crítica de Errico Malatesta no movimento anarquista brasileiro



Os Anarquistas e a Questão Sindical na Europa: prós e contra segundo Errico Malatesta



De acordo com o historiador francês René Remond (1976), no período que vai da Revolução Francesa (1789) até a Comuna de Paris (1871), todas as organizações criadas pelo movimento operário para defesa dos trabalhadores eram tidas como ilegítimas aos olhos do governo; sendo assim, a existência de muitas delas se dava na clandestinidade. Entretanto, tal situação começa a mudar a partir das décadas de 80 e 90 do século XIX.
O movimento sindical, sobretudo na Europa latina, começou a ganhar vida quando diversos governos adotaram uma cláusula em suas respectivas constituições, a qual permitia ao movimento operário criar organizações para a defesa de seus interesses econômicos. É claro que o objetivo visado pelo governo era tentar seduzir os trabalhadores. Mas ocorreu que tal medida causou um efeito contrário e o sindicato acabou ganhando um caráter francamente radical e combativo. Isso tornou possível o ingresso (em larga escala) dos anarquistas nas instituições sindicais, os quais viram em tal circunstância, uma ocasião propícia para ampliar o seu campo de propaganda e atuação junto às massas proletárias. No entanto, nem todos os anarquistas aderiram sem reservas aos sindicatos. O pensador Errico Malatesta, por exemplo, foi um destes anarquistas. Com base em ampla pesquisa bibliográfica, foi possível perceber que a posição de tal militante no que tange à adesão parcial ou integral por parte dos anarquistas aos métodos e estratégias de Ação Direta1 promovidos pelos sindicatos se insere dentro de um contraponto crítico em relação a duas outras correntes de pensamento. Correntes estas que, na virada do século XIX para o XX, instituem e estruturam o movimento anarquista a nível internacional: a anarco-comunista2 e a sindicalista revolucionária3.
Malatesta criticava os anarco-comunistas (kropotkinianos), porque estes no período que segue o fim da 1ª Associação Internacional dos Trabalhadores (1876), teriam se distanciado do movimento operário e se recolhido a círculos intelectuais fechados, transformando, assim, o ideal libertário em uma teoria abstrata, cujo vínculo com a prática era bastante exíguo4. Malatesta, com toda criticidade que lhe é inerente, faz o seguinte comentário a respeito de tal período:
É preciso conceder que eu jamais fui daqueles intelectuais anarquistas que quando, da dissolução da Internacional, retirou-se benevolentemente para uma torre de marfim, entregando-se às reflexões filosóficas, e reconhecer que, onde quer que eu me encontrasse, fosse na Itália, França, Inglaterra ou qualquer outro lugar, jamais deixei de combater essa atitude de isolacionismo altivo (MALATESTA, 1981, p.207)

Para que a revolução libertária fosse de fato levada a cabo, seria necessário estar no meio do povo e não fechados em gabinetes, fazendo especulações sobre o mundo, sem estabelecer contato com a realidade. A seu ver, não existiria melhor lugar que as associações operárias, em especial os sindicatos, para que se promovessem mudanças substanciais e significativas. Segundo ele, nos sindicatos os trabalhadores encontram seus companheiros e aprendem a cooperar com os outros em prol dos interesses de sua classe. As lutas por reformas e melhorias imediatas, realizadas por meio de greves, tanto as parciais quanto as gerais, fariam com que os trabalhadores adquirissem gradativamente a consciência dos antagonismos existentes dentro das relações capital/trabalho, da verdadeira função do Estado e, conseqüentemente, do papel revolucionário a ser desempenhado na sociedade capitalista.


Creio ser necessário e urgente que os anarquistas se organizem, para influir sobre a marcha que as massas impõem em sua luta pelas melhorias e pela emancipação. Hoje, a maior força de transformação social é o movimento operário (movimento sindical) e de sua direção depende, em grande parte, o curso que tomarão os eventos e o objetivo a que se chegará à próxima revolução. Por suas organizações, fundadas para a defesa de seus interesses, os trabalhadores adquirem a consciência da opressão sob a qual se curvam e do antagonismo que os separam de seus patrões, começam a aspirar uma vida superior, habituam-se à vida coletiva e à solidariedade. (MALATESTA, 1989, p.85).



Essa “ginástica revolucionária” prepararia e concederia a experiência necessária para que o proletariado realizasse a revolução. Iniciadas por amplas greves, estas se generalizariam por toda a sociedade, sendo procedidas por atos insurrecionais os quais integrariam no processo revolucionário, setores sociais como, por exemplo, os camponeses e soldados. No seu desenrolar, a burguesia seria expropriada dos seus bens, os meios de produção seriam socializados e diretamente administrados pelos trabalhadores, através de órgãos e associações voluntárias tais como comitês de fábrica e conselhos operários, os quais, livremente federados, se articulariam com a finalidade de substituir o Estado que, depois da Revolução, seria destruído e desalojado da tarefa de gerir o corpo social.
No entanto, não se deve deixar enganar quanto à importância que Malatesta outorga ao sindicato, pois é parcial e restrita. Ele mesmo chega a dizer que o sindicato figura como uma “faca de dois gumes”, que pode tanto ajudar quanto atrapalhar o processo revolucionário e a realização do projeto libertário. Para que sua posição seja mais bem entendida, são às palavras do próprio Malatesta que se deve reportar:



Seria uma ilusão funesta acreditar, como muitos o fazem, que o movimento operário resultará por si mesmo, em virtude de sua própria natureza, em tal revolução. Bem ao contrário: todos movimentos fundados sobre interesses materiais e imediatos [...] tendem fatalmente a se adaptar às circunstâncias, engendram o espírito conservador, o temor pelas mudanças naqueles que conseguem obter melhorias. (MALATESTA, 1989, p.86)



Toda classe, independente da sua inserção na estrutura social, está submetida à lei geral do antagonismo que rege o sistema capitalista. Assim, dependendo das circunstâncias, os interesses de um ramo ou categoria que compõem o operariado divergem. Em razão disso, vimos algumas categorias em virtude dos ganhos e vitórias obtidos mediante as greves: a melhora de seus níveis de vida e social, então esquecem as antigas reivindicações da classe, se afastam dos demais trabalhadores e acabam se transformando, no interior do próprio proletariado, em uma espécie de nova classe privilegiada.
Apenas vislumbrando uma transformação total da sociedade capitalista é que os operários podem realmente se unir e se solidarizar. Daí a demanda por organizações propriamente libertárias que, agindo dentro e fora dos sindicatos, atuassem com consciência revolucionária, impedindo assim que os trabalhadores, devido aos ganhos conseguidos com as lutas por reformas imediatas, se integrassem à sociedade capitalista e desistissem do ideal de transformação social. Tais colocações colaboram no sentido de tornar inteligível o seu posicionamento (de Malatesta) em relação ao sindicato e também em relação aos sindicalistas revolucionários. Monatte, representante dessa corrente, com quem Malatesta irá protagonizar um grande debate no Congresso Anarquista de Amsterdã (Holanda, 1907), acreditava que o “sindicalismo basta a si próprio”. (MONATTE, 1985, p.206). Para este pensador francês, o sindicato desempenharia uma dupla função: na sociedade capitalista seria o órgão responsável pela articulação e mobilização dos trabalhadores contra a exploração patronal. Através desse órgão também se buscaria conscientizar os trabalhadores de seus direitos, exigindo melhorias econômicas diretas como forma de conquista material; o que se daria através das greves parciais. Esse seria um meio de preparar o caminho para a greve geral, que posteriormente desapropriaria a burguesia e colocaria os meios de produção à disposição de todos os operários. Na futura sociedade socialista, o sindicato se converteria na célula mater a partir da qual a mesma seria reestruturada.
Malatesta defendeu ardorosamente o seu ponto de vista, afirmando que embora reconhecesse a importância do sindicato na Revolução e no processo de emancipação dos trabalhadores, sozinho não poderia ir muito longe. Para além dos eventuais inconvenientes comentados anteriormente, trazidos pelo sindicato, Malatesta acresceu ainda que as greves gerais, caso não fossem seguidas de um ato insurrecional propriamente dito, só causariam a paralisação das fábricas, o que destruiria em pouco tempo a dinâmica do processo revolucionário. Outro aspecto digno de nota, é que os sindicatos não poderiam, na futura sociedade pós-revolucionária, se configurar em núcleos a partir dos quais essa mesma sociedade se reergueria.

Os quadros das organizações operárias atuais correspondem às condições contemporâneas da vida econômica resultante da evolução histórica da sociedade e da imposição do capitalismo. Os operários estão hoje agrupados segundo as profissões que exercem, as indústrias às quais pertencem, segundo os patrões contra os quais devem lutar, ou o comércio a que estão ligados. Para que servirão esses agrupamentos após a supressão do patronato [...] para citar um exemplo entre mil, as organizações dos trabalhadores de mármore de Carrara, quando for necessário que eles partam para cultivar a terra, para aumentar a produção alimentícia, deixando para o futuro a construção dos monumentos e dos palácios de mármore. (MALATESTA, 1989, p.103).

Segundo o referido anarquista italiano, a nova sociedade só pode ser edificada com a destruição dos quadros atuais e a criação de novos organismos condizentes com os objetivos a serem alcançados. Enfim, para Malatesta os sindicatos, “apesar de todos os seus méritos e toda a sua potencialidade” (1989, p.100), não podem ir muito longe, e para que de fato possam servir a um verdadeiro ideal de mudança social, precisam do “fermento, do empurrão... dos homens de idéias que combatem e se sacrificam com vistas a um futuro ideal”. (Idem, p.86).
Os anarquistas que atuaram e militaram junto ao movimento operário brasileiro5, também estavam atentos às questões levantadas e discutidas na Europa por Malatesta acerca dos alcances e limites da ação sindical. Mas, no Brasil quais foram os ecos desse debate? Qual foi a postura dos anarco-comunistas? E a postura dos sindicalistas revolucionários? Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é verificar até que ponto a crítica malatestiana ecoou em terras brasileiras, procurando, ao mesmo tempo, inseri-la e articulá-la com o debate travado entre anarco-comunistas e sindicalistas revolucionários sobre os alcances e limites da ação sindical.

Como o anarquismo aportou em terra brasilis?

No período que procede a abolição do regime escravista no Brasil, o país dá início a uma intensa política de imigração. Esses imigrantes, basicamente compostos por europeus oriundos da Itália, Espanha e Portugal vieram para o Brasil, em especial para o estado de São Paulo, seduzidos pela idéia de alcançar uma vida melhor. Inicialmente, larga parcela destes trabalhadores foi empregada na zona rural, substituindo os negros, até então escravos, no trabalho agrícola realizado nas lavouras cafeeiras. O tratamento endereçado ao trabalhador recém egresso no país carregava consigo, ainda, um acento fortemente escravista, que parecia não reconhecer a liberdade contratual existente nas relações sociais de conteúdo capitalista. Inseridos em péssimas condições de vida e submetidos a uma grande exploração no trabalho, tais imigrantes começam a se revoltar. Alguns voltaram para os seus países de origem, outros se dirigiram principalmente para a capital paulista, onde iriam compor o primeiro movimento operário, que se formava junto à incipiente indústria brasileira.
Juntamente com a corrente imigratória que trouxe os trabalhadores europeus para o Brasil, chegaram também os anarquistas estrangeiros, em sua maioria, procurando refúgio e proteção das perseguições políticas em suas terras natais.
Diante da situação existente na sociedade brasileira, traduzida por altas jornadas de trabalho e salários miseráveis, aos poucos o anarquismo se transformou em uma ideologia forte nos meios operários. De acordo com Lopreato, a semente plantada por trabalhadores e militantes estrangeiros germina. “A planta exótica do anarquismo 6 floresceu em solo paulista e em outras sociedades brasileiras, e foi se revelando uma força política ativa, capaz de fazer adeptos e de mobilizar os trabalhadores em movimentos de protesto contra as mazelas da sociedade burguesa” (LOPREATO, 2000, p.18).
As duas correntes libertárias que gozaram de maior expressividade junto ao primeiro movimento operário brasileiro foram os sindicalistas revolucionários 7 e os anarco-comunistas 8. Tanto uns quanto os outros estavam de acordo em relação à importância de sua atuação nos sindicatos 9. Só que discordavam quanto à forma que essa atuação deveria tomar.

Os Anarquistas no Movimento Operário10: uma genealogia do sindicalismo de ação direta

No alvorecer do século XX inicia-se um rápido processo de organização dos operários em ligas de resistência. Essas organizações tinham como finalidade, sustentar, sobre novas bases, o conflito entre capital e trabalho. As ligas operárias de resistência irão substituir os órgãos de tendência assitencialista e mutualista, que eram bastante expressivos até outrora.
No entanto, esse processo não foi tão simples (ou simplista) como à primeira vista pôde parecer. Oliveira, ao traçar a genealogia do sindicalismo de Ação Direta no Brasil, destaca que:



[...] não houve linearidade nesse processo, ou seja, associações de resistência eram constituídas a partir de uma mutiplicidade de outros projetos, muitas vezes antagônicos. As antigas associações mutuais não foram completamente substituídas pelos sindicatos de resistência. O processo de formação da consciência operária se deu em várias direções. (OLIVEIRA, 2001, p.13)



Os anarquistas irão desempenhar um papel nodal no processo de formatação de um sindicalismo de Ação Direta no Brasil. Do ponto de vista hegemônico, as diretrizes político-ideológicas dos sindicalistas revolucionários serão, em um primeiro momento, largamente aceitas ou acatadas pelo movimento operário. Entretanto, eles não reinaram soberanamente. Quer dizer, os sindicalistas revolucionários não estavam isolados frente às outras correntes políticas existentes no interior movimento operário. Seixas (1992) chama a atenção para o fato de que o espaço no qual se desenrola o processo de emergência e consolidação do sindicalismo de Ação Direta é habitado por outras forças políticas11, proponentes, portanto, de um outro projeto para o movimento operário. Se valendo da figura do tabuleiro de xadrez, a autora consegue encontrar uma metáfora que cabe como uma luva para descrever e expressar os conflitos travados entre sindicalistas revolucionários e anarco-comunistas no sindicato.

Sindicalismo Revolucionário: a descrença quanto às virtudes intrínsecas do sindicato

Na perspectiva sindicalista revolucionária, o sindicato figura como o melhor meio de intervir na realidade, sendo considerado, por excelência, o terreno onde se exprimem os antagonismos entre a burguesia e o proletariado. O artigo do sindicalista revolucionário francês Emile Pouget traduz bem esse princípio.



Efectivamente, o grupo corporativo tem suas raízes no modo de produção e dele deriva normalmente. Ora, como a associação para a produção é uma inelutável necessidade, como poderiam os trabalhadores, aglomerados para a produção, limitar a sua coordenação aos contatos e relações úteis somente ao patrão que tira proveito de sua exploração em comum [...] Fatalmente, os operários dum pouchinho de bom senso deviam chegar a verificar o antagonismo flagrante-a eles, produtores-inimigos irredutíveis do patrão: este é o ladrão, eles os roubados (POUGET, O Amigo do Povo, São Paulo, 3 Set., 1904)

Para atingir essa finalidade o sindicato deve, portanto, ser transparente, definindo de forma clara e franca quais seus métodos e estratégias. “O sindicalismo é essencialmente o agrupamento dos produtores, como tais, no terreno econômico e da ação direta de classe”. (VASCO, 1984, p.3)
Para os sindicalistas revolucionários, o sindicato se incumbiria de realizar duas tarefas. Primeiro, lutar por melhorias imediatas nos quadros da sociedade capitalista. Segundo, preparar os operários para a vitória maior, que colocaria em cheque a sociedade capitalista e possibilitaria a construção de uma sociedade livre e igualitária. A dupla tarefa incumbida ao sindicato recai, então, sobre o debate entre reforma e revolução. Mas, qual seria o elo de ligação entre reforma/revolução? Que função faria com que o sindicato realizasse de forma satisfatória essas duas tarefas, que nem sempre são compatíveis? Para Sônia Mara Santos a resposta é simples:

Trata-se da ação direta [...] a ação direta na medida em que constituía e instituía essa dupla tarefa, que, segundo os sindicalistas revolucionários, acaba permitindo ao sindicato realizar a passagem do reformismo à revolução... a ação direta ao permitir que os trabalhadores (re)criassem, à sua maneira, toda e qualquer resistência no seu dia a dia, acaba por transformá-los nos próprios agentes da sua revolução (noção de ginástica revolucionária12). (SANTOS, 1999, p.24)



Um artigo publicado no jornal A Lucta Proletária ilustra bem como se daria essa passagem da reforma à revolução.



O seu ideal ou vaga aspiração passa a ser um melhoramento contínuo. Se o sindicato tivesse como fim principal um dado grau de bem estar arrancado ao patronato, o sindicato dissolver-se-ia, apenas alcançando este ponto, ou estagnaria, perdendo o seu caráter. Mas, a experiência e a propaganda revolucionária mostram que a luta contínua nos limites marcados pelo capitalismo não têm saída, a não ser pela supressão do capitalismo. Arrastado nessa corrente, o operário... é levado a ver no patrão um intruzo, a contestar-lhe a sua autoridade na oficina, a reivindicar para si a injerência nela, a pensar, mais ou menos conscientes, na reorganização da oficina pelos trabalhadores. (A Lucta Proletária, 21 mar, 1908)




Nesse sentido, para viabilizar a dupla tarefa do sindicato (reforma e revolução), este deveria se ancorar em dois princípios:



1º- Independência do sindicato, agrupamento de classe, grupo de ação ligado pelo interesse, em frente dos partidos associados por uma idéia e composto de indivíduos de classes diferentes. 2º- Ação direta, própria do sindicato, com os meios próprios: a qual não vai de encontro a nenhuma doutrina. (A Lucta Proletária, 21 mar, 1908)



As noções de neutralidade sindical13e autonomia operária ingressam na doutrina sindicalista revolucionária para expressar o princípio de que o sindicato não deve estar submetido a nenhum grupo político ou ideológico.
No entanto, os princípios de neutralidade sindical e autonomia operária, tão bem traduzidos pelo lema enunciado por Monatte: “o sindicalismo basta a si próprio” (1985, p.206), não se inserem e enraízam em solo político brasileiro. Não fosse isso, como poderíamos explicar o mal estar que os sindicalistas revolucionários sentem frente o exclusivismo sindical?

O sindicalismo considera o sindicato profissional como agrupamento de combate hoje e como grupo produtor na sociedade futura. Mas, como concebe o funcionamento desse grupo? Se o pretende único e fechado, proprietário único dos meios de produção, a sua idéia é um neo-corporativismo medieval, que produzirá nova forma de servidão. (VASCO, 1984, p.133)



De acordo com Seixas (1992), para entender essa questão faz-se necessário uma análise a respeito das relações urdidas entre as forças políticas inseridas e atuantes no movimento operário. Para a autora, a dúvida nutrida em relação às virtudes intrínsecas do sindicato por parte dos sindicalistas revolucionários, é resultado da influência e duração da tática de contraponto crítico exercido pelos anarco-comunistas.

Anarco-Comunismo: função de contra ponto crítico

A participação dos anarco-comunistas no processo de constituição do sindicalismo de Ação Direta no Brasil encerra uma complexidade muito grande, maior, aliás, do que a participação dos sindicalistas revolucionários. No entanto, antes de levantar e discutir essa questão se faz necessário reportar às “origens” do anarco-comunismo e relatar, ainda que de modo elementar e assistemático, o breve flerte que teve com os pensamentos positivista e darwinista social.
Uma análise sobre as características teóricas presentes na linhagem do pensamento socialista e anarquista em são Paulo, nas últimas décadas do século XIX, nos mostra, claramente, que os seus principais traços são uma espécie de herança do positivismo e do darwinismo social europeus. De acordo com Seixas, isso poderia ser explicado, em parte, pelo fato de que:
Nas últimas décadas do século (XIX), o positivismo e darwinismo social impõem-se igualmente à esquerda, influenciando o pensamento e a história do socialismo internacional, seja marxista ou anarquista. É à matriz positivista e spenceriana que nos remetemos para conceitualizar o marxismo da Segunda Internacional, impregnado de cientificismo, evolucionismo e naturalismo [...] Do lado anarquista, deve-se recorrer às mesmas fontes positivistas e spencerianas para se compreender o cientificismo e evolucionismo de boa parte do pensamento anarquista em voga nesses anos. O de Kropotkin ou de um Reclus, por exemplo. (SEIXAS, 1995, p.133-134).

O positivismo e o darwinismo social influíram de forma significativa no movimento anarco-comunista. Em fins do século XIX, existia nos centros intelectuais anarquistas, a insistência em estabelecer uma correspondência entre anarquismo e ciência.
A citação abaixo subscrita, do libertário Benjamin Mota, consegue explicar bem a natureza do casamento conceitual entre anarquismo e ciência.

A filosofia monista, que se baseia sobre o conhecimento do lugar do homem na natureza, quer, como afirma Haeckel, que o homem retorne completamente, sinceramente, à natureza de suas leis [...] O que quer Haecckel, nós queremos também, porque a teoria anarquista, assim como o monismo, baseia-se na verdade e na ciência [...] Assim, o livro científico é revolucionário [...] age como a gota da água, lentamente, mas, seguramente. Lyell destruiu completamente a teoria das grandes catástrofes [...] demonstrou como as grandes montanhas formaram-se lentamente, através de movimentos de elevação e de depressão [...] Acontece o mesmo com o ideal anarquista, que, lentamente vai formar as consciências, a humanidade do futuro viverá em comunismos anárquicos. (MOTA apud SEIXAS, 1995, p.144-145)


Vê-se aí a inclusão de novos elementos trazidos pelo “casamento” entre anarquismo e positivismo, para além da conversão do anarquismo em ciência. Percebemos como se dá o processo de naturalização do homem que, passa a ser visto como um títere nas mãos da natureza. A revolução é desqualificada, a sociedade anarquista seria instalada de forma gradual e pacífica, sem violência e agitações.
Os anarco-comunistas que pertencem à corrente realista e refletida do anarquismo, dentre os quais o maior professador é Malatesta, irão construir, nesse contexto, suas críticas aos colegas anarco-comunistas, seduzidos pelo positivismo e darwinismo social.
Isso só se tornou possível nos primeiros anos do século XX, quando surge o sindicalismo de Ação Direta, e os anarco-comunistas são praticamente arrastados para dentro do movimento operário. A partir de então, “as concepções positivistas e evolucionistas serão afastadas e o seu papel sobre o movimento operário claramente questionado”. (SEIXAS, 1995, p.146)
Na condição de malatestianos, os anarco-comunistas, concordam com os sindicalistas revolucionários, quanto à importância da atuação de todos anarquistas no movimento operário e sindical. Partidários convictos do movimento operário e sindical desde o Congresso de Amsterdã, os anarco-comunistas acreditavam que deveriam: “considerar as associações de resistência como o campo para semear a boa semente, e os movimentos paredistas como circunstâncias favoráveis para acordar as energias proletárias” (La Bataglia, n.89, 12 ago, 1906)
Para os anarco-comunistas, os sindicatos deveriam ser um meio para que os trabalhadores adquirissem (tanto do ponto de vista prático, quanto do ponto de vista teórico) a consciência do papel que deveriam desempenhar no processo que daria cabo à sociedade capitalista. Nesse sentido se aproximam dos sindicalistas revolucionários, e procuram entender de que maneira os métodos e estratégias de Ação Direta que o sindicalismo trouxe, poderiam atuar como ginástica revolucionária14. Ao avaliar as diversas lutas travadas pelo jovem proletariado brasileiro por melhorias imediatas, os anarco-comunistas traçam o seguinte diagnóstico:



A luta pela redução da jornada de trabalho para oito horas é um movimento econômico, cuja importância consiste mais que na obtenção imediata da vitória, no fato de que ela anuncia-se como a expressão de uma insatisfação frente as condições atuais do salariato, como brusco despertar da consciência proletária contra dominação de classe. (La Bataglia, n.123, 19 mar, 1907)



No entanto, divergem dos sindicalistas revolucionários quanto aos alcances da ação sindical, demarcando aí qual seria a sua posição.


O seu fim é melhorar, com o aumento de salários, a diminuição das horas de trabalho etc.. a condição do trabalhador dentro da órbita das instituições vigentes. Pretendem melhorar as sorte de uma classe sem demolir a
bases sobre as quais se levanta todo o edifício (La Batagila, nº 138, 22 Set, 1907)


De acordo com Lopreato, os anarco-comunistas,


Demonstravam cautela quanto à organização dos trabalhadores em sindicatos por temerem que as propostas de luta por melhorias imediatas acabassem se sobrepondo ao seu objetivo maior, ou seja, possibilitar aos trabalhadores se organizarem com o fim de se prepararem para a revolução social que poria fim ao regime capitalista de produção. (LOPREATO, 2000, p.19)



Na avaliação dos anarco-comunistas, os sindicalistas revolucionários incorrem no erro de super dimensionar o papel outorgado ao sindicato no processo revolucionário. Os anarco-comunistas, dispostos ao pluralismo político, acreditam que a ação e propaganda libertárias não devem se restringir apenas aos sindicatos. “A propaganda eu a faço onde eu me encontrar, no café, no mercado, na Igreja se estiver ali, na liga de resistência, se eu cair em uma delas, em qualquer lugar onde se encontram trabalhadores.” (La Bataglia, n.69, 25 fev, 1906)
Conforme explicita Seixas (1992), A presença dos anarco-comunistas no movimento operário terá efeitos expressivos sobre o sindicalismo de Ação Direta. Os princípios de autonomia e neutralidade sindical (tão propalados pelos sindicalistas revolucionários) tomarão corpo apenas pela metade nas instituições sindicais. Nesse sentido, o sindicalismo de Ação Direta e também os próprios sindicalistas revolucionários, nunca cortaram os laços que os unem ao anarquismo.



Considerações Finais

Antes das últimas considerações, gostaria de salientar que a consecução deste trabalho “esbarrou” em uma série de limitações, as quais eu gostaria de me reportar ainda que sucintamente. A primeira delas diz respeito à natureza do tipo de trabalho que é exigido para a conclusão de curso, junto ao Curso de História do Unipam. Como é sabido, a partir de 2005 as monografias foram substituídas pelos artigos científicos. Essa substituição acabou colocando limites a uma exploração mais aprofundada sobre o tema em questão, que encerra uma grande complexidade14. Outra limitação com a qual me deparei foi o acesso às fontes primárias, que dada a sua localização geográfica15, inviabilizou o meu contato direto com as mesmas. O problema das fontes primárias foi, em parte, resolvido pela ajuda da Professora Antoniette Camargo de Oliveira16, orientadora deste trabalho, que me concedeu cópias e transcrições de textos e artigos veiculados na imprensa operária e anarquista de São Paulo no período que abarca o contexto da Primeira República.
A despeito de tais intempéries, procurei, na medida em que foi possível, cumprir o objetivo deste trabalho, proposto desde a confecção do meu projeto de pesquisa. Como se pôde perceber, a crítica malatestiana ecoou em terra brasilis. O debate acerca dos alcances e limites da ação sindical foi tema de importância maior no movimento anarquista brasileiro. Tendo inclusive, desempenhado um papel preponderante no processo a partir do qual os dois mais expressivos grupos de orientação libertária se relacionaram com a organização sindical. Os anarco-comunistas, depois de um breve flerte com o pensamento positivista e darwinista social, irão se (re) aproximar do movimento operário através da adesão (parcial) ao sindicato, exercendo aí a função de contraponto crítico. Os sindicalistas revolucionários, por sua vez, nunca irão depositar confiança ilimitada nas virtudes intrínsecas do sindicato. Diferentemente do que ocorre em grande parte dos países europeus, o sindicalismo revolucionário brasileiro nunca cortará os laços que o une ao anarquismo.


Thiago Lemos Silva


Notas

Artigo elaborado a partir do meu Trabalho de Conclusão de Curso: “Alcances e Limites da Ação Sindical: ecos da crítica de Errico Malatesta no movimento anarquista brasileiro”, que foi desenvolvido sob orientação da professora Msª. Antoniette Camargo de Oliveira, como requisito parcial para a obtenção do título de licenciado em História junto ao Curso de História do Unipam no ano de 2007.


1 O conceito de Ação Direta assume um papel fucral dentro do sistema filosófico anarquista. De acordo com Lopreato: “a estratégia de ação direta contrapõe-se não só ao parlamentarismo, mas a qualquer outra forma de representação política. A ação direta expressa a crença de que o proletariado só se libertará quando confiar na influência de sua própria ação, direta e autônoma, prescindindo de intermediários no conflito capital/trabalho. Isso significa que a classe trabalhadora nada deve esperar de forças externas a ela mesma. É ela que deve criar suas próprias condições de luta e os seus meios de ação”.
A ação direta se caracteriza pela cultura da autonomia, a exaltação da individualidade, o impulso da iniciativa, da qual é a levedura. Funciona como um antídoto à resignação e a passividade. Desperta no trabalhador o sentido do seu valor e de sua força e desenvolve a capacidade de autodeterminar as decisões. Tem, portanto, um valor educativo: ensina-lhe a refletir, a decidir e agir por conta própria. A exaltação do indivíduo enquanto soberano de si não está, no entanto, em contradição com a solidariedade, outro princípio fundante do anarquismo. Na filosofia política anarquista, a independência e atividade do indivíduo só podem florescer em esplendor e intensidade quando se submergem a suas raízes no solo fecundo da entente solidária. Nesse sentido, a ação direta é concebida como um princípio político de dignidade coletiva”. (LOPREATO, 1999, p.80-81). Os principais métodos e estratégias de Ação Direta são o boicote, a sabotagem, o labéu, greve parcial e a greve geral.


2 Por anarco-comunistas ou comunistas libertários entenda-se aqui apenas aqueles militantes que se simpatizavam ou se filiavam diretamente às idéias de Kropotkin. Malatesta também foi definido como um anarco-comunista, mas devido a suas divergências com Kropotkin (que, aliás, não eram poucas), como se pode evidenciar ao longo do artigo, acreditou-se que seria melhor não identificá-lo enquanto tal. O historiador anarquista Max Netlau tratando das diferenças existentes no interior da corrente comunista libertária, mais especificamente entre Kropotkin e Malatesta, afirma que o primeiro se filia ao seu seguimento harmonista e espontaneísta, ao passo que o segundo se filiaria à sua linha realista e refletida. Para uma análise mais detalhada e acuidada desse assunto veja Netlau (2003). Por outro lado, não se deve deixar enganar. A crítica a Kropotkin e a inclusão do sindicato nos planos revolucionários empreendidos por Malatesta, não lhe valem o epíteto de sindicalista revolucionário.

3 Em artigo anterior (SILVA, 2007) utilizei o termo anarco-sindicalismo ao invés de sindicalismo revolucionário, isso me levou ao equívoco de afirmar que sindicalistas revolucionários queriam impor o programa anarquista aos sindicatos. Eu ainda não havia lido Edilene Toledo, que me chamou atenção para o termo anarco-sindicalismo, “a classificação do sindicalismo revolucionário como anarco-sindicalismo, foi freqüentemente empregada de forma pejorativa por parte dos socialistas reformistas e, posteriormente, pelos comunistas, que queriam excluir os sindicalistas revolucionários da grande família socialista” (TOLEDO, 2004, p.59), e, que a neutralidade sindical é um dos princípios fundantes da doutrina sindicalista revolucionária. Tenho consciência de que a relação entre anarquismo e sindicalismo revolucionário é bastante complexa; alguns autores (TOLEDO, 2004) chegam até a cogitar a hipótese de que o sindicalismo revolucionário era um movimento totalmente autônomo e independente frente ao anarquismo, sendo, portanto, apenas um novo segmento do movimento socialista. Porém, acredito que o sindicalismo revolucionário seria uma nova corrente, mas, dentro do próprio anarquismo. Segundo Neno Vasco, com quem me encontro mais de acordo: “O anarquismo apartado do movimento operário entrou de definhar de se consumir num criticismo estéril e impotente, de se dividir em capelas, por vezes ridículas, com infiltração de individualismo burguês ou de misticismo, divagações metafísicas e torneios intelectuais de diletantes e de snobes. Por fim tornou-se a encher de maré revolucionária. Os sindicatos desiludidos do reformismo chato e do democratismo, adquiriram na França novo espírito, e os anarquistas, reanimados, lançam-se de novo no movimento operário... Eis reatada a tradição da internacional com o enriquecimento da prática e da teoria e com a modificação dos novos tempos. Eis revificado o anarquismo operário, às vezes chamado sob o nome de sindicalismo revolucionário, que para mim é um simples eufemismo”. (VASCO, 1984, p.79)

4 Para uma análise mais detalhada e acuidada sobre esse assunto, o leitor deve consultar SILVA (2007a).


5 Uma parcela significativa da historiografia brasileira sobre o movimento operário no período que abarca o contexto da 1ª República: Carone (1984), Fausto (1976) e Maram (1976) parece negar o fato que no período que antecede a década de 1930, existira uma classe operária forte e organizada. Na avaliação de Cristina Hebling Campos Soares: “Era muito comum no balanço final da conjuntura deter-se nas características que a classe operária não possuía, porque tinha se em mente um modelo de comportamento político e de classe operária visivelmente alienígena e historicamente dúbio (CAMPOS, 1988, p.12). Só a partir da década de 1980, com a renovação teórico-metodológica que a História Social trouxe é que se pôde fazer uma releitura quanto ao papel assumido pelo primeiro movimento operário no cenário político nacional. Em maior ou menor medida, estes trabalhos se valem do conceito de classe criado por Edward Palmer Thompson. Que define classe dentro dos seguintes termos: “A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns ( herdadas ou partilhadas) sentem e articulam a identidade dos seus interesses entre si, e, contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus” (THOMPSON, 1987, p.10). Essa nova tendência da historiografia sobre o movimento operário pode ser encontrada nos seguintes trabalhos: Campos (1988), Góes (1980) e Rago (1985). Que foram os primeiros a trabalhar com o conceito thompsiniano de classe.


6 Wender Charles Silva, em interessante artigo sobre o desenvolvimento da democracia no Brasil, argumenta que a crise política pela qual o nosso país passa, seria resultado do oportunismo e clientelismo existentes no interior dos movimentos populares, que seriam habilmente trabalhados e explorados pelas classes dominantes, no momento em que as lutas sociais mais se aproximaram de conquistas concretas. Silva registra em seu artigo o papel desempenhado pela ideologia anarquista junto ao primeiro movimento operário brasileiro, sublinhando que: “a ideologia combativa do anarco-sindicalismo atenuou-se gradativamente com a política de cooptação da elite. Facilmente seus dirigentes se renderam ao oportunismo e ao espírito clientelista, passando a colaborar e até mesmo vislumbrar a possibilidade de uma união entre Capital e Trabalho” (SILVA, 2007, p.19). Para Silva, isso poderia ser facilmente explicado pelo fato de que o anarquismo teria penetrado em terras brasileiras por meio “de imigrantes italianos introduzidos no país após a segunda metade do século XIX. Imigrantes que em sua maioria eram camponeses que fugiam das convulsões turbulentas do processo de unificação italiana. Uma vez no Brasil, procuravam de alguma forma, prosperar. Um enfrentamento direto e decisivo poderia por em risco o futuro de seus planos” (SILVA, 2007, p.19). Minha hipótese pré-eliminar é que a alegação de Silva é infundada ou mal fundada. O fator determinante para a inserção do anarquismo no plano político-ideológico brasileiro, foram às condições econômicas e sociais existentes no país, e não o fato de que grande parte do contingente populacional que integrava o jovem proletariado brasileiro ser de origem estrangeira. E, além disso, tais trabalhadores, recém egressos no país, na medida em que não conseguiram atingir o seu objetivo, que era “juntar um pecúlio” e voltar para a sua terra natal, se aproximaram do anarquismo ao qual aderiram pela via das lutas. Lutas que contribuíram para aquisição de conquistas históricas para os trabalhadores, tais como: 08 horas diárias de trabalho, descanso semanal, férias, entre outros que, ainda hoje são vistos como uma “doação dos poderosos”.

7 Os principais militantes do sindicalismo revolucionário em São Paulo eram: Neno Vasco, Edgard Leuenroth, José Sarmento Marques e Giulio Sorelli. O seu principal veículo de comunicação era o jornal O Amigo do Povo.


8 As figuras mais importantes do anarco-comunismo em São Paulo eram: Oreste Ristori, Luigi Damiani, Ângelo Bandoni e Florentino de Carvalho. O seu principal veículo de comunicação era o jornal La Bataglia.


9 O sindicatos seriam as principais organizações, mas não as únicas. Antoniette Camargo de Oliveira, em trabalho pioneiro acerca das organizações anarquistas no período da 1ª República, registra que: “devido às lutas sociais travadas na primeira República ante a opressão do capitalismo nascente, o pensamento e práticas anarquistas manifestaram-se (também) enquanto centros de cultura social, escolas modernas ou racionalistas, grupos de propaganda e de teatro social, ligas operárias de bairro, grupos editores de obras de cunho revolucionário e imprensa operária”. (OLIVEIRA, 2001, p.1)


10 Não raro tomamos anarquismo e o movimento operário como predicativos um do outro. A relação tecida entre ambos foi estreita. No entanto, como nos adverte Jacy Alves de Seixas, “ é preciso reconhecer as particularidades dos campos designados que permitiram, por um lado, ao primeiro movimento operário brasileiro formar-se, alimentando-se para tanto das ideologias e das práticas anarquistas, e, por outro ao movimento anarquista brasileiro organizar-se e enraizar-se colando às representações das jovens classes operárias, igualmente em formação. O resultado desse jogo de apropriações e construções de perfis diversificados é a estratégia operária da ação direta, noção que procura dar conta das relações entre movimento operário e movimento anarquista no Brasil, afastando assim, qualquer noção de idéia fora do lugar aplicada a rica cultura política das classes subalternas atravessada pelo anarquismo e pelo sindicalismo revolucionário em uma única expressão: uma cultura política da ação direta”( SEIXAS,2004, p.127-128)

11 Seixas (1992) registra que o sindicalismo amarelo e o sindicalismo reformista também se encontravam inseridos nessa correlação de forças hegemônicas existentes no interior do movimento operário.

12 A noção de ginástica revolucionária ocupa um lugar seminal dentro filosofia política do anarquismo. No entanto, ela ganha contornos e delineações específicos frente à interpretação assumida por cada corrente libertária. Para os sindicalistas revolucionários, as lutas por reformas econômicas dentro sistema capitalista valem tanto como um meio, pois elevariam a consciência política do proletariado, quanto como um fim, pois melhoriam o nível de vida dos trabalhadores. Já para os anarco-comunistas, as lutas por melhorias econômicas deveriam ser vistas apenas como um meio, ou seja, como uma forma para elevar a consciência política do proletariado. Os anarco-comunistas temiam que a luta por reformas econômicas acabassem integrando os trabalhadores no sistema capitalista e fazendo com os mesmos desistissem da revolução. Sobre essa questão veja Seixas (1992)

13 Não se deve confundir neutralidade sindical com apoliticismo. O fato do sindicato não adotar oficialmente nenhuma doutrina política, não deve nos levar ao erro de acreditar que os sindicatos não assumiam uma posição política. Sobre essa questão, recomendo Toledo (2004)


14 Ver nota 13

14 Por esse motivo, me ocupei mais de uma análise teórica e menos prática. Uma análise mais aprofundada a respeito da forma como essa questão foi encaminhada, do ponto de vista prático, pelo movimento libertário se encontra em Lopreato (2000) e em Seixas (1992).

15 Grande parte da documentação referente ao movimento operário e anarquista no período da Primeira República, se encontra localizada no Arquivo Edgard Leuenroth, situado na Unicamp, em Campinas- SP.

16 Oliveira tomou contato com esse material, quando foi bolsista de Iniciação Científica, com o projeto Dicionário Histórico-Biográfico do(s) anarquismo(s), entre 1998 e 1999, sob orientação das professoras Drªs Jacy Alves Seixas e Christina Roquette da Silva Lopreato. Sem o contato, ainda que ínfimo, com esse material, esse trabalho nunca teria sido possível. Por isso, gostaria deixar registrado o meu profundo e sincero sentimento gratidão a você Antoniette, pela forma tão atenciosa e prestativa, com a qual sempre me recebeu e orientou esse trabalho. Espero que o fim da graduação não signifique o fim da nossa parceria.

Referências

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CARONE, Edgard. Movimento operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: Difel, 1984.

FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1977.

GOES, Maria Conceição Pinto. A formação da classe trabalhadora. Movimento anarquista no Rio de Janeiro (11880-1911). Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

LOPREATO, Christina da Silva Roquette. O espírito da revolta: a greve geral anarquista de 1917. São Paulo: Annablume, 2000.

MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, Imigrantes e Movimento Operário (1890-1920). Rio de Janeiro: Paz e Terra

MALATESTA, Errico. Escritos Revolucionários. São Paulo: Imaginário. 1989.

_______. Sindicalismo: A crítica de um anarquista. WOODCOCK, George. Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre: L & PM. 1981.

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NETLAU, Max. Em memória de Errico Malatesta. Revista Verve, n°4, p.170-184.

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OLIVEIRA, Antoniette Camargo. Despontar, (Des)fazer-se, (Re)viver... a (des)continuidade das organizações anarquistas na Primeira República. Dissertação (Mestrado em História). UFU, Uberlândia. 2001.


RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

REMOND, René. O século XIX – 1815-1914. São Paulo: Ed. Cultrix, 1976.

SANTOS, Sônia Mara. Sindicalistas Revolucionários e Anarco-Comunistas: aproximações e tensões constitutivas do movimento anarquista em São Paulo (1890-1920), Monografia (Graduação em História) Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG.

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TOLEDO, Edilene. Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário: a experiência de trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República. São Paulo: Perseu Abramo, 2004

VASCO, Neno. Concepção Anarquista do Sindicalismo. Porto: Afrontamento. 1984.

Jornais:
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La Bataglia, n.89, 12 ago, 1906
La Bataglia, n.123, 19 mar, 1907)
La Bataglia, nº 138, 22 Set, 1907)
O Amigo do Povo, São Paulo, 3 Set., 1904)







DOS CENTROS DE PESQUISA ÀS SALAS DE AULA:Imagens e Representações do Anarquismo no Livro Didático


No final do século XIX e início do século XX, período este conhecido no Brasil como Primeira República, o movimento anarquista se descortina e ganha, paulatinamente, força e raízes. Dessa forma, antes de se abordar e salientar a importância de tal movimento, bem como suas principais características no contexto já mencionado, torna-se necessário apresentar o que acreditamos que seja o anarquismo. Para isto, lançamos mão da historiadora Edilene Toledo:

Anarquia, etimologicamente, significa viver sem governo, ou seja, o anarquismo é a doutrina política que prega que o Estado é nocivo e desnecessário, existindo alternativas viáveis de organização social voluntária. Anarquista era e é quem, por meio da livre experimentação, se propõe a criar uma sociedade sem Estado, modificando-a pouco a pouco, cuja base são comunidades autogeridas, em que haja o máximo de liberdade com o máximo de solidariedade e fraternidade. (TOLEDO, 2004, p.12.).

Ou ainda, de Lopreato (2007), segundo a qual “[...] anarquismo é uma forma de ser e estar no mundo”. Nessa direção, após este breve apontamento sobre o que vem a ser anarquismo, acreditamos ser de suma importância, ressaltar a sua força enquanto movimento político no Brasil Republicano.
Por este viés, conforme Oliveira (2001), na virada do século XIX para o XX, diversos sujeitos históricos oriundos principalmente da Europa, de regiões que estavam a passar por inúmeras dificuldades econômicas e sociais, vêm tentar “fazer” suas vidas no Brasil. A título de ilustração, essas regiões européias, se desmembram entre Itália, Portugal, Espanha e outras.
No entanto, o movimento anarquista aqui não será formado tão somente por estrangeiros, mas também por muitos brasileiros que aderem, fervorosamente, ao ideário anarquista, em busca de uma sociedade mais justa e humana. Nessa perspectiva, dentro do contexto histórico já referido, o Brasil passava por diversas transformações, as quais iam desde a esfera econômica, social e política, até a esfera cultural.
Assim, o setor agrícola/rural, vagarosamente abre espaço para um processo de urbanização como também para uma incipiente industrialização. Dentro desse quadro de mudanças, é importante trazer à memória um fato pertinente: a abolição da escravidão em 1888. Este fato irá, conseqüentemente, abrir espaço e acelerar para que os imigrantes venham substituir a mão-de-obra escrava nas fazendas cafeeiras da aristocracia rural brasileira. No entanto, sabemos que desde 1850, já há um relativo número de imigrantes no país.
De qualquer forma, esses imigrantes serão duramente explorados em tais fazendas. Logo, dadas as péssimas condições de vida e trabalho enfrentadas nesses locais, tanto por homens quanto por mulheres, estes teriam diante de seus olhos duas opções: ou voltar para suas nações de origem ou irem trabalhar nas áreas urbanas.
Neste novo contexto, trabalhadores(as) brasileiros(as), ao lado dos(as) trabalhadores(as) imigrantes lutariam, cotidianamente, contra as péssimas condições de vida e de trabalho que agora também as cidades ofereciam. Em tal situação, a denominada aristocracia rural que até então predominava no cenário político, percebia o movimento anarquista integrado por uma série de “baderneiros”, ou seja, um verdadeiro “caso de polícia”. Seguindo o raciocínio de Oliveira (2001), apesar da repressão colocada em voga pelas classes dominantes em relação anarquismo, este irá se enraizar e ganhando corpo e preponderância, na virada do século XIX para o XX. Ora, os camaradas anarquistas dispunham de diversos mecanismos para por suas idéias em prática: greves (fossem elas parciais ou gerais), boicote, sabotagem, labéu1, a circulação de múltiplos jornais de cunho libertário ou ainda por meio do teatro, entre outros. Na direção de tais preocupações, “o movimento operário e o anarquista se descortinam lado a lado, durante o período republicano, no Brasil. Isto é, a formação da classe operária aqui, se deu sob a égide de uma cultura política libertária”. (OLIVEIRA, 2001, p.11)
Daí percebermos a extrema importância da atuação dos libertários nesta conjuntura. Pois foi através de suas lutas e reivindicações que muitos homens e mulheres conseguiram alcançar inúmeras conquistas no campo do trabalho. Conquistas estas que, na maioria das vezes, foram (e ainda vêm sendo) vistas como concessões dos governantes a posteriori2. Nesse sentido, é impossível não mencionar a participação e atuação dos anarquistas na Primeira República. Entretanto, é sabido que há toda uma historiografia, seguindo ainda a crítica feita por Oliveira (2001, p.130) , que percebe, “o movimento anarquista como defeituoso, falho, finito, fraco, cuja justificativa muitas vezes foi a (des)continuidade das suas organizações, a falta de coesão de seus militantes e simpatizantes, sua falta de homogeneidade, de solidez”.

1980: Para uma nova historiografia acerca do anarquismo no Brasil Republicano


A partir da década de 1980 percebe-se que a historiografia brasileira se encontra em processo de transformação. É fato também que tal transformação irá influenciar, nesse momento, principalmente, os cursos de pós-graduação do país. Essa mudança historiográfica, influenciada pela Nova História Cultural 1968/1988 e pela História Social, nos idos dos anos de 1980 possibilitou a revisão teórica de várias interpretações a respeito de diferentes objetos de estudo, em especial na área de História do Brasil. Tanto a Nova História Cultural, quanto a História Social, resultam do processo de renovação teórico-metodológica da História, que irá ocorrer com o advento da Escola dos Annales, a partir de 1930. Nessa perspectiva, esse novo referencial historiográfico apontava em direção a uma ruptura para com o modelo de escrita e interpretação da História, largamente utilizado até então.
Ora, as principais características dos Annales são, “novos objetos, novas fontes, novas técnicas, novos conceitos, novas instituições e obras e historiadores-modelo”. (REIS, 2000, p.9). Além do mais, segundo Reis, há uma assídua renovação em relação ao tempo histórico, que passa a não mais ser visto de uma forma linear e homogênea. Em virtude disso, os Annales percebem a temporalidade histórica de forma múltipla, descontínua, (im)permanente. Nessa direção, há também um rompimento da História para com a Filosofia e uma extrema ligação do campo historiográfico, no que diz respeito às ciências sociais. Em linhas gerais, estas foram as principais inovações trazidas pelo movimento dos Annales.
Seguindo esse pensamento, o novo olhar historiográfico não será diferente no que tange ao anarquismo. Os novos estudos que começaram a aparecer no meio acadêmico, procuravam (e ainda procuram) libertar o movimento anarquista (forte a atuante no movimento operário brasileiro principalmente durante o período da Primeira República) do invólucro negativista com o qual foi envolvido pela historiografia anterior. No entanto, com este novo olhar historiográfico, no Brasil, principalmente a partir da década de 1980, procura-se sublinhar os aspectos positivos do anarquismo. Sem incorrer no erro de sacralizá-lo, objetiva-se destacar a sua real importância e, ao mesmo tempo, abrir espaços que colaborem para a desconstrução da visão pejorativa que ainda se tem acerca do mesmo.


Um olhar teórico sobre o livro didático



Uma indagação surge à luz de nossos olhos nesse momento: será que essas novas interpretações sobre o movimento libertário têm vindo ao encontro ou de encontro com o que era (re)produzido nos livros didáticos da década de 1990? Ou seja, será que o conhecimento produzido nas universidades ficou enclausurado nos “corredores do universo acadêmico”, transformando-se num fim em si mesmo? Ou será que tal conhecimento já penetrou pelo corpo social em suas múltiplas dimensões e instrumentos, através dos livros didáticos, por exemplo?
Mas, antes que possamos considerar tais questionamentos, é necessário que algumas reflexões acerca do livro didático sejam feitas. Desse modo, sabemos que trata-se de um importante instrumento pedagógico do qual o professor lança mão no processo de ensino-aprendizagem. E é através deste mecanismo (o livro didático) que o senso crítico, como também o reflexivo deve ser buscado para que o aluno tenha um maior entendimento acerca da realidade, principalmente, em se tratando do ensino de História. No entanto, não é pertinente encarar o livro didático apenas por meio dessa visão unilateral a respeito do movimento anarquista, por exemplo; isto na medida em que (o livro didático) pode ser visto como uma espécie de “faca de dois gumes”. Ou seja, ao mesmo tempo em que ele pode trazer em seu interior uma análise crítico-reflexiva da história, ele pode também reforçar nos indivíduos uma certa passividade, deixando-os passivos e/ou alheios à realidade na qual se inserem, sem qualquer perspectiva de transformação. A questão é que, muitos desses indivíduos, já banalizaram as mazelas humanas em que, se “o mundo está dessa forma” é porque o capitalismo é algo inevitável. Conseqüentemente, não há nada a ser feito perante o mesmo.
Assim, o livro didático pode, sem dúvida, abrigar essas duas visões mencionadas. Nesse sentido é que Carrieri (2001) dirige seu pensamento; para este autor, o livro didático é um produto do mercado, um instrumento que, via de regra, tem como objetivo atender especialmente aos interesses capitalistas. Sobre isso, Carrieri parafraseia Baldissera quando faz o seguinte esboço:

No livro didático, a História é vista, geralmente, como algo pitoresco, uma verdadeira epopéia de acontecimentos marcantes sobre vultos famosos, principalmente dos considerados heróis, o processo histórico, praticamente inexiste, na maioria deles. (BALDISSERA, citado por CARRIERI, 2001, p.40).


Já em um segundo momento, Carrieri chama a nossa atenção para o fato de que:

Acima de tudo, o livro é um instrumento de difusão de conhecimentos e uma fonte de ensino e aprendizagem. É um importante material de trabalho do professor, que deve ser analisado no seu todo: sua defasagem de conteúdo e de linguagem, se portador de ideologia ou de “verdades” de determinados grupos sociais. A crítica pelo professor do material que está utilizando perpassa esses e outros elementos, o mesmo deve estar atento a eles. (CARRIERI, 2001 p.42).

Portanto, o livro didático, como vimos, é uma “faca de dois gumes”, no sentido de que pode tanto formar sujeitos passivos como também críticos. A respeito, então, da referida inovação historiográfica que houve nos anos de 1980 (influenciada pela Nova História Cultural e pela História Social) no âmbito acadêmico, a qual trouxe à tona novas visões no que tange a diferentes objetos de estudo no campo da História, em relação ao anarquismo não foi, de forma alguma, diferente. Assim, um novo olhar historiográfico paira diante do movimento anarquista no período do Brasil Republicano.
Este novo olhar historiográfico, como já foi dito, procurou desconstruir aquela visão negativista em relação ao anarquismo e, em contrapartida, ressaltar a sua positividade, bem como a sua extrema importância no referido contexto.
Seguindo esse viés quanto aos livros didáticos da década de 1990, adotados pelas instituições de ensino Médio e Fundamental na cidade de Patos de Minas-MG, é lançada a dúvida se eles trouxeram estas inovações ou não. Ou ainda se o movimento anarquista em terras brasileiras ainda continuou sendo visto e percebido de modo pejorativo.
É exatamente através deste olhar e destas indagações que faremos, a partir de agora, uma breve e sucinta análise de alguns livros didáticos adotados por determinadas instituições escolares localizadas em Patos de Minas, no decorrer da década de 1990.


Um olhar empírico sobre o livro didático

Através dos pressupostos discutidos anteriormente, foi possível realizar uma análise empírica acerca de pelo menos alguns livros didáticos, tendo em mente o objetivo proposto neste trabalho, qual seja: de que maneira o movimento anarquista no Brasil Republicano foi tratado pelos diversos autores de tais livros publicados na década de 1990?
Num primeiro livro analisado3, percebemos que pouco ou quase nenhum espaço é direcionado para o movimento anarquista (ora, a palavra anarquismo é citada apenas uma vez). Além disso, não há ao menos uma explicação do que vem a significar o termo “anarquismo”. Somando-se a tudo isso, os autores fazem uso do conceito de “anarcosindicalismo”. Conceito este sobre o qual não há um consenso inclusive entre os diversos historiadores. Conforme explicita Toledo:

As relações entre sindicalismo revolucionário e anarquismo são bastantes complexas e de forma alguma um pode ser reduzido ao outro. Parte do equivoco de associar todo o movimento operário da Primeira República ao anarquismo foi a tendência de incorporar o sindicalismo revolucionário ao anarquismo, com o nome de anarco-sindicalismo. Entretanto são movimentos diferentes. Em muitos países, como Itália e Argentina, por exemplo, o movimento sindicalista revolucionário nasceu no interior dos partidos socialistas, e não nos meios anarquistas. Em São Paulo, a participação de socialistas também foi importante para a formação de um movimento inspirado nas idéias do sindicalismo revolucionário, o qual considerava que os sindicatos não deveriam ser nem anarquistas, nem socialistas e nem de outras tendências, mas simplesmente operário. (TOLEDO, 2004, pp.48-49)

Nessa perspectiva, lançamos mão de alguns fragmentos do livro em questão:

O movimento operário brasileiro, nessa primeira fase republicana, foi organizado a partir de entidades e correntes político-ideológicas que procuravam articular os trabalhadores e dar organicidade às suas lutas. Destacaram-se, nesse sentido, os anarquistas, os anarcosindicalistas e os socialistas, representados, principalmente, por trabalhadores estrangeiros, notadamente italianos e espanhóis que faziam parte dos contingentes de imigrantes que haviam se concentrado nos centros urbanos do Sul do país. (NADAI & NEVES, 1991, p.210-211)

Ainda neste mesmo livro, no que diz respeito à greve geral de 1917, acontecimento de grande importância para a historiografia anarquista, se menciona apenas o seguinte:

Após 1917, em todos os grandes centros urbanos, a greve, o principal instrumento de ação política dos operários, foi fenômeno importante e constante. Porém, foi violentamente reprimida assim como os comícios, as concentrações, apesar de terem sido tratadas como caso de polícia, ou precisamente por causa disso, representaram abalos na organização republicana, os quais contribuíram para o desmonte do regime. (NADAI & NEVES, 1991, p.210)

Como percebemos apenas um parágrafo é destinado à Greve Geral de 1917. Aqui, os autores retratam este movimento sem caracterizá-lo. Tal greve ocorreu durante o período de uma semana, com paralisações de muitos setores industriais, contando ainda com o apoio de diversos militantes, dentre os quais, grande parte eram libertários. Militantes que estavam, constantemente, a lutar por melhores condições de vida e de trabalho. Imprimindo uma forte resistência à sociedade capitalista, Oliveira nos fala um pouco mais sobre o episódio:

A Greve geral, enquanto expressão cultural libertária singular de Ação Direta, veio a demonstrar sua força na cidade de São Paulo no ano de 1917. Acontecimento histórico singular, em que foram os anarquistas os orientadores de tal movimento, marco histórico no processo de formação da classe operária como autoconstituindo-se em seu enfrentamento concreto com o capital. Como se vê, as Greves gerais, quando prosperam, medram, assustam, apavoram. (OLIVEIRA, 2001, p.41).

Dando continuidade ao processo de análise, referente aos livros didáticos, os autores Carmo e Couto4, no interior de suas páginas, tecem referências às difíceis condições de vida e de trabalho; condições essas nas quais homens e mulheres como também crianças se encontravam inseridos, no contexto da industrialização brasileira, no final do século XIX e início do XX. Assim:

O trabalho de mulheres e crianças (de até 5 anos de idade) era muito utilizado, sobretudo na indústria têxtil, porém com remuneração inferior à dos homens adultos. Não havia qualquer proteção às operárias gestantes ou àquelas que tivessem bebês recém-nascidos. Os menores sofriam até castigos físicos dentro das fábricas. (CARMO & COUTO, 1991, p.79).


Em seguida fazem um relato das diversas formas de luta que os operários imprimiam, cotidianamente, como forma de resistência à sociedade capitalista. Finalmente concluem, escrevendo que logo organizavam-se em prol de “melhores condições de trabalho, melhores salários e leis trabalhistas”. (CARMO & COUTO, 1991, p.79).
Verifica-se ainda a inserção, ao lado dos textos, de recursos iconográficos, que não deixam de colaborar para que os alunos tenham uma melhor compreensão acerca do assunto. Nessa direção, é perceptível que haja certa descrição do movimento operário no Brasil Republicano. No entanto, tal descrição parece se encontrar descolada do movimento anarquista. Além do mais, não se depara com nenhuma explicação referente ao conceito de anarquismo propriamente dito. Este é tratado de uma forma muito superficial e simplista, sendo-lhe dada pouca ou nenhuma importância. Por outro lado, percebemos haver nos diversos livros didáticos de História publicados na década de 1990, um maior espaço para as idéias socialistas e comunistas, quando se enfatiza, por exemplo, a formação do Partido Comunista do Brasil.
A partir das novas interpretações historiográficas, produzidas no decorrer da década de 1980, tem-se uma nova visão do anarquismo. Visão esta que vai de encontro com o que foi sublinhado anteriormente. Conforme Oliveira, “o movimento operário e o anarquista se descortinam lado a lado, durante o período republicano, no Brasil. Isto é, a formação da classe operária aqui, se deu sob a égide de uma cultura política libertária”. (OLIVEIRA, 2001, p.11).
Outra questão discutida é o fato de alguns livros didáticos cometerem graves erros terminológicos, referentes ao anarquismo:


[...] a partir de 1919, quando o movimento operário atingiu seu ponto mais combativo, desencadeou-se uma violenta repressão sobre os sindicatos, os pequenos partidos anarquistas e a Confederação Operária Brasileira, que foi desativada. (CARMO & COUTO, 1991, p.80).


Nesse sentido, os anarquistas tinham uma visão de mundo específica. Visão esta que percebia e compreendia a política para além de sua instância centralizada. Por isso mesmo é que não defendiam, por exemplo, a constituição de “pequenos partidos”:

O ideário anarquista zelava por não se constituir em um partido, por exemplo, isto não significava que sua luta deixasse de ser política. Os libertários não se constituíam em um partido por terem consciência de que sua luta não se limitava somente ao campo político-partidário, já que investiam contra o poder constituído em qualquer lugar que isso se fizesse necessário: em casa, no bairro, na rua, na fábrica. Inclusive, se agiam diretamente (se não se deixavam representar por terceiros) nos seus interesses, isso era algo que fazia parte de sua Cultura Política Libertária, o que acabava sendo entendido como uma ofensa à política burguesa. (OLIVEIRA, 2001, p.131).

Uma terceira obra analisada5 chama nossa atenção, logo de início, para a política de higienização que ocorrera na cidade do Rio do Janeiro, no início do século XX. Esta política deve ser entendida como fruto de um projeto burguês. Uma vez que, nessa conjuntura, a urbanização irá se ampliar devido ao próprio processo de industrialização. Com isso, tem-se o aumento do número de cortiços e favelas que eram habitados pelo nascente proletariado brasileiro. Assim, esse aglomerado de indivíduos “pobres e sujos” deixava feio o espaço burguês. A idéia também era erradicar as mais diversas doenças. Sendo assim, as então classes dirigentes decidem que o melhor a ser feito seria:

Uma completa reformulação da cidade para torná-la agradável para sua elite e semelhante às metrópoles européias. Modernizar o porto, abrir largas avenidas, erradicar as doenças, derrubar os cortiços, e, principalmente, empurrar para longe a população pobre, rude e mestiça, eram os desejos da população elegante do Rio de Janeiro. (CAMPOS, 1999, p.207).

Nas páginas subseqüentes, salientam-se as condições econômicas e sociais às quais o proletariado, no final do século XIX e início do XX, estava submetido. São mencionadas as resistências, as ações cotidianas dos operários em busca de uma vida mais digna. A realidade dura e desumana de trabalhadores e trabalhadoras, vem à tona, sendo discutida da seguinte maneira:
No Brasil, como em outras partes do mundo, a situação da classe operária era desumana. Amontoados em moradias insalubres, vítimas de agressões das forças policiais e do descaso das autoridades, desprovidos de garantias trabalhistas, recebendo baixíssimos salários, cumprindo jornadas de trabalho de 12 a 15 horas diárias sem descanso semanal garantido e vendo seus filhos nas fábricas desde crianças, muitos trabalhadores tentavam, através de greves, manifestações e sabotagens, melhorar suas condições de existência. (CAMPOS, 1999, p.210).

Até esse momento encontramos, como se pôde perceber, uma interessante análise do proletariado brasileiro, de um modo geral. Entretanto, uma indagação se desdobra ao percorrermos mais algumas linhas. Ora, e o anarquismo? Para este é dedicado o tópico “Anarquismo e socialismo”, onde se faz uma breve descrição do significado destes dois termos. O anarquismo recebe a seguinte definição:

O anarquismo pode ser definido genericamente como uma corrente política cujo principio básico é a liberdade nas relações humanas. A natureza não fez nem o senhor nem o servo: eu não quero nem dar nem receber ordens. Essa frase, do filósofo iluminista Diderot, inspirou grande parte de seus líderes. Os anarquistas propunham uma sociedade igualitária, em que a propriedade fosse coletiva, não houvesse patrões nem operários e todos trabalhassem e se divertissem com liberdade. Para eles, a sociedade capitalista deveria, então, ser transformada por uma revolução que eliminasse as diferenças sociais e a propriedade privada. Joseph Proudhon, reverenciados pelos anarquistas de todo o mundo, tornou célebre a formulação que viria a ser um dos grandes lemas do movimento operário: “A propriedade é um roubo”. Dentre os anarquistas, o grupo denominado anarcosindicalistas propunha a organização da sociedade igualitária a partir de uma revolução comandada e dirigida pelos sindicatos operários. (CAMPOS, 1999, p.210).


O que pode ser retido de tal definição é o pressuposto de que o anarquismo, aqui, é visto de uma forma por demais “harmônica”. Nessa perspectiva, o desenrolar da revolução que conduziria a sociedade capitalista à sociedade anarquista, se daria de maneira extremamente fácil, o que seria ingenuidade acreditar. Os conflitos não aconteceriam e a perfeição predominaria. No entanto, sabemos que a sociedade ácrata será organizada e constituída por seres humanos. Os seres humanos não são perfeitos, têm erros e acertos.
Portanto, em “Oficina de História6”, podemos encontrar um bom conteúdo referente ao contexto brasileiro, na época do início da industrialização e urbanização e, conseqüentemente, da formação do proletariado. Mas esta obra, assim como as outras já interpretadas neste trabalho, certamente não se baseiam em pesquisas e estudos consideráveis, no que tange ao movimento anarquista, no interior do Brasil Republicano.
É notável o fato de Campos esboçar o significado do termo anarquismo. Porém, este significado vem carregado de uma idéia um tanto harmoniosa. Imprimindo uma certa perfeição da sociedade anarquista. A nosso ver, isso deve ser desconstruído, uma vez que, como já foi dito, tal sociedade será composta por seres humanos, e seres humanos trazem consigo erros e imperfeições.
O último livro didático sobre o qual nos debruçamos é o de autoria de Nelson Piletti. Diferentemente dos demais livros analisados, percebemos na seleção dos textos de Piletti (embora grande parte não seja de sua própria autoria), uma articulação entre o movimento operário e o anarquista. Nessa direção, ele atribui real importância ao movimento libertário como mecanismo de luta e resistência, em relação aos setores dominantes daquele momento da história brasileira, isto é, final do século XIX e início do XX.
Somando-se a esses apontamentos, o autor ainda realiza uma reflexão sobre a Greve Geral de 1917 e chama a nossa atenção para o destaque da imprensa anarquista como instrumento de divulgação do ideário libertário. Dessa forma, alguns fragmentos do material selecionado por Nelson Piletti dão luz em tais argumentos, pois:

Os movimentos populares e as lutas operárias da Primeira República contaram com a presença decisiva dos anarquistas. Na revolta contra a vacina obrigatória [...], apareceu tremulando a bandeira vermelha dos anarquistas. Na organização e na liderança dos movimentos operários a posição desse grupo foi sempre de destaque. Um fato é suficiente para que tenhamos uma idéia de sua intensa atuação: durante a República Velha circularam 334 jornais anarquistas. (PILETTI, 1999, p.220).

Ou ainda:

Entre 1905 e 1920, são os anarquistas que vão à frente do movimento operário. [...] Inspirados nos libertários italianos, franceses, espanhóis e portugueses, os anarquistas brasileiros, muitos deles imigrantes, privilegiam a ação sindical, a agitação grevista, a militância na imprensa e a vivência comunitária, centrada no lazer e na educação.
Sua atuação foi decisiva, sem dúvida, principalmente depois da criação da Confederação Operária Brasileira (COB), em 1908, que reuniu dezenas de associações proletárias, e do jornal Voz do Trabalhador. (PILETTI, 1999, p.223).


Entretanto, no texto (que não é de autoria de Piletti), em que se tenta explicar o significado do termo anarquismo, mais uma vez, verifica-se que, como nos demais livros didáticos analisados, há uma abordagem reducionista em relação ao conceito de anarquismo. O que pode dificultar a compreensão por parte do aluno sobre a temática em questão: “É preciso que entendamos bem o que é anarquismo, afastando em primeiro lugar as concepções vulgares que dele são feitas. Anarquismo não é sinônimo de desordem nem de terrorismo”. (SANTOS Apud PILETTI, 1999, p.221).
Em seguida há uma pequena descrição do anarquismo e, mesmo assim, este ainda é tomado, como podemos perceber em Campos, de maneira harmônica. Na medida em que:


O anarquismo é um dos muitos movimentos políticos e filosóficos contra as injustiças sociais. O anarquista defende a ajuda entre os pobres, a paz entre as nações, a ciência e a educação para todos. Para ele, a humanidade é mais importante do que qualquer homem isolado. [...].
A filosofia anarquista era construtiva. Além de fundar escolas, teatros e hospitais nos bairros humildes, eles participavam de todas as campanhas democráticas, como a abolicionista e republicana, por exemplo. (SANTOS Apud PILETTI, 1999, p.221).



Como se verificou, embora ao longo de seus textos Piletti buscasse articular o movimento operário com o movimento anarquista, mesmo assim ainda predomina uma definição reducionista e ao mesmo tempo harmônica acerca de tal movimento, durante o período do Brasil republicano.


Considerações Finais


A própria paixão pelo movimento anarquista no desmembrar da Primeira República brasileira se tornou uma alavanca, através da qual pudemos voltar nosso olhar para a escrita deste trabalho. Via de regra, acreditamos que esta pesquisa não se encerra nessas diminutas páginas escritas, na medida em que, por meio dela, deixamos abertas outras possibilidades de estudo, além daquelas que fizemos uso. Outros recortes historiográficos, outras fontes, percepções e interpretações em que diferentes sujeitos possam mergulhar nos universos teórico e empírico, dos quais trata o presente trabalho.
Devemos ter em mente que a história é um eterno devir. Pois, a mesma não está pronta e acabada, sendo sempre (re)interpretada e, conseqüentemente, (re)escrita. Para que novas abordagens se descortinem. O sentido da história se encontra nesse pressuposto.
Assim, a renovação historiográfica que trouxe novas interpretações acerca de toda uma pluralidade de objetos de estudo, dentre eles o anarquismo, a partir da década de 1980, se alastrou pelos corredores e muros da academia. E nela permaneceu. Visto que, por meio da interpretação empírica feita com a colaboração dos livros didáticos que foram utilizados pelas diversas instituições escolares da cidade de Patos de Minas nos anos 1990, não se percebe as modificações que ocorreram no universo acadêmico (nos anos 1980), no que tange, ao anarquismo.
Na direção de tais preocupações, o movimento anarquista ainda é encarado de forma pejorativa e simplista. Pouca importância é atribuída ao mesmo. É como se o anarquismo estivesse descolado da realidade brasileira, durante o final do século XIX e início do XX. Fato que contribui, em larga medida, para que lacunas históricas se façam presentes e, ao mesmo tempo para que o aluno se mantenha alheio perante a própria história de seu país. Se a história é intrínseca, dialética entre passado/presente e vice-versa, de modo que é por meio dessa articulação que se torna possível conhecer melhor o passado para que lutemos, cotidianamente, em prol de transformar o presente, rumo a uma sociedade mais justa e humana, como então os estudantes de hoje poderão contribuir para construir uma sociedade mais digna de se viver, se eles não têm um conhecimento prévio a respeito do passado?
É devido a esses entraves e lacunas que permeiam as páginas dos diversos livros didáticos, que recomendo que os professores e professoras, não somente de Patos de Minas, como também de todo o Brasil, façam constante uso, de toda uma bibliografia alternativa, que consiga preencher e tornar inteligíveis os distintos momentos da história como um todo e de nossa própria historia também.


Fernanda Caroline de Melo


Notas

Artigo elaborado a partir do meu tcc: " Dos Centros de Pesquisa às Salas de Aulas: imagens e representações do anarquismo no livro didático" desenvolvido sob a orientação da professora Msª Antoniette Camargo de Oliveira junto ao Curso de História do Unipam para a obtenção do título de licenciado em História

1 Publicação de uma nota na imprensa escrita, no intuito de manchar a reputação daqueles trabalhadores que não aderiam aos movimentos grevistas.

2 No governo de Getúlio Vargas com o intuito de controlar e fiscalizar o sindicalismo operário foram ampliados os serviços estatais de aposentadoria, criados em 1940, o imposto sindical e o salário mínimo, e posta em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Ao lado dessa política de concessões aos trabalhadores - auxílio-natalidade, salário-família, licença para gestante, estabilidade no emprego (após 10 anos), descanso semanal remunerado - extinguiu-se o direito de greve e a independência dos sindicatos, os quais passaram a ser dirigidos por "pelegos", falsos líderes sindicais ancorados no governo.

3 NADAI, Elza; NEVES Joana. História do Brasil: Da Colônia à República. Ensino Fundamental. São Paulo: Saraiva, 1991. Os livros didáticos utilizados neste trabalho estão disponíveis na biblioteca Municipal João XXIII, localizada, por sua vez, na cidade de Patos de Minas – MG. A escolha dessa biblioteca se justifica, na medida em que, nela se encontram grande parte dos livros didáticos que foram adotados pelas mais diversas instituições escolares de Patos de Minas, no período elencado.

4 CARMO, Irene Sonia do COUTO, Eliane. História do Brasil. Ensino Fundamental. São Paulo: Atual, 1991.

5CAMPOS, Flávio de. Oficina de História: História do Brasil. Ensino Médio. São Paulo: Moderna, 1993.

6 PILLETI, Nelson. História do Brasil. Ensino médio. São Paulo: Ática,1992



Referencias

CARRIERI, Márcio. Agulha no palheiro. Londirna: EDUEL, 2001

OLIVEIRA, Antoniette Camargo. Despontar, (Des)fazer-se, (Re)viver... a (des)continuidade das organizações anarquistas na Primeira República. Dissertação (Mestrado em História). UFU, Uberlândia. 2001.


REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a Inovação em História. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 200 p.


TOLEDO, Edilene. Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário: a experiência de trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República. São Paulo: Perseu Abramo, 2004


Livros didáticos


CAMPOS, Flávio de. Oficina de História: História do Brasil. Ensino Médio. São Paulo: Moderna, 1993.

CARMO, Irene Sonia do COUTO, Eliane. História do Brasil. Ensino Fundamental. São Paulo: Atual, 1991.

NADAI, Elza; NEVES Joana. História do Brasil: Da Colônia à República. Ensino Fundamental. São Paulo: Saraiva, 1991.

PILLETI, Nelson. História do Brasil. Ensino médio. São Paulo: Ática, 1999.

Contatos

Fernanda Caroline de Melo Rodrigues: fernandaanarquista@yahoo.com.br
Thiago Lemos Silva: thiagobakunin@yahoo.com.br

4 comentários:

Marcos Rassi disse...

Grande Thiago, resistente, lutador e libertário. Belo blog, ótima alternativa para o histórico "Eidos".
Marcos Rassi

Antoniette disse...

Thiago e Fernanda...
Nunca me senti com um poder tão grande de fecundidade...
Sempre ouvi dizer que professores são depositários de esperança, de coisas que hão de vir e até de viver...
Mas vocês são a prova de que consegui tocar em algumas almas, ou ainda de que consegui que alguns de vocês tivessem a esperança redobrada, na vida, no mundo...
Antoniette

Unknown disse...

Thiago, parabéns pelo Blog, bem como pelos textos. Um blog como o seu significa um oásis em pleno deserto (a internet).

Um abraço,
Luiz.

Antonio Ozaí da Silva disse...

Thiago e Fernanda,

parabéns pela iniciativa.
Abraços e tudo de bom,

Ozaí