quinta-feira, 21 de maio de 2009

EIDOS INFO-ZINE # 16

Editorial

Caros amigos,

Neste número, o Eidos traz a publicação de um texto de Neno Vasco a respeito da origem “operária” do anarquismo, mostrando que o pensamento de Bakunin e seus companheiros da Primeira Internacional já era “ sindicalista” desde o seu berço. Traz também um artigo de Thiago Lemos Silva, abordando os alcances e limites da educação segundo o projeto revolucionário de Bakunin. Mais a frente, tem a matéria de Virginia Fonseca sobre o projeto “Dicionário Histórico-Biográfico do(s) Anarquismo(s) no Brasil”, coordenado pela professora Jacy Alves de Seixas, da Universidade Federal de Uberlândia. E por fim, porém não menos importante, o Eidos leva a vocês algumas notícias libertárias.

Boa leitura e anarquizem!


Contatos

Fernanda Caroline de Melo Rodrigues: fernandaanarquista@yahoo.com.br
Thiago Lemos Silva: thiagobakunin@yahoo.com.br


O anarquismo é sindicalista desde o berço: o pensamento de Bakunin, Varlin, Lorenzo e seus amigos sobre o papel e o futuro das associações de resistência.


Se procurarmos, não as origens filosóficas do ideal anarquista, nem a filiação do sentimento libertário nas revoltas e aspirações populares do passado – porque isso perde-se vagamente na noite dos tempos – mas sim o aparecimento dum movimento anarquista definido, do anarquismo operário com todas as características essenciais que tem hoje, vamos encontrá-lo como expressão do movimento operário, vamos encontrá-lo “sindicalista” mesmo antes do termo no seio da Internacional e das associações internacionais de que Bakunin foi o principal inspirador, fundindo e vivificando as idéias marxistas com o pensamento de Proudhon e dos socialistas franceses. Para verificar este acerto, basta ler os escritos daquela época, como, por exemplo, os quatros límpidos artigos publicados por Bakunin, em meados de 1869, no “Egalite” de Genebra, e em 1914 reunidos em folhetos pela “Vie Ouvriere”, sob o seu título original: “A Política da Internacional”. Ou então a brochura de James Guillaume “Idéias sobre a Organização Social”, na mesma época reeditada em italiano por Luis Fabbri e depois pelo órgão da União Sindical Italiana – o primeiro para propaganda anarquista e o segundo para propaganda sindicalista revolucionária.
Na famosa Associação Internacional dos Trabalhadores – a Primeira Internacional – predominou essa idéia que forma o nó vital do sindicalismo revolucionário: que o sindicato operário (dizia-se então “caixa” ou “sociedade de resistência”) é o grupo essencial, o órgão específico da luta de classes e o núcleo reorganizador da sociedade futura, no que ela tem de fundamental, é a organização que – expropriada revolucionariamente a burguesia e destruído o seu órgão político, o Estado, - manterá a continuidade da vida social, assegurando a produção do indispensável.
Como conclusão do segundo dos quatro artigos acima citados, Bakunin escrevia:

A emancipação dos trabalhadores por eles próprios “tem que ser levada a cabo”, diz o preâmbulo dos nossos estatutos gerais. E tem mil vezes razão de o dizer. Essa é a base principal da nossa grande Associação. Mas o mundo operário é geralmente ignorante, falta-lhe ainda inteiramente a teoria. Resta-lhe, portanto, uma única saída: é a da sua emancipação pela prática. Qual pode e deve ser essa prática? Não há mais do que uma: é a da luta solidária dos operários contra os patrões. É a organização e a federação das caixas de resistência.



E o quarto artigo concluía dessa forma:


Ela (a Internacional) estender-se-á e organizar-se-á fortemente através das fronteiras de todos os países, a fim que, em estalando a revolução produzida pela força das coisas, se ache uma força real, sabendo o que deve fazer, e por isso mesmo capaz de se apossar da revolução e de lhe dar uma direção verdadeiramente salutar para o povo; uma organização internacional séria das associações operárias de todos os países, capaz de substituir esse mundo político dos Estados e da burguesia que se vão.


Os amigos de Bakunin na Internacional afirmavam as mesmas idéias. Citemos entre eles Eugénio Varlin, operário encadernador, fundador da sociedade de resistência da sua corporação e da primeira União dos Sindicatos parisienses (Câmara Federal das Sociedades Operárias de Paris), de que foi secretário; depois membro da Comuna, assassinado pelos versalheses em 28 de maio de 1871. Num artigo publicado em Março de 1870 em “La Marseillaise”, depois de mostrar o valor educativo das associações operárias, Varlin, escrevia estas palavras:


Mas são sobretudo as sociedades corporativas ( resistência, solidariedade, sindicato) que merecem os nossos incitamentos e simpatias, pois são elas que formam os elementos naturais da edificação social do futuro; são elas que poderão facilmente transformar-se em associações de produtores; são elas que hão-de poder utilizar a ferramenta social e organizar a produção.


Mais abaixo recordava que:


O congresso da Associação Internacional realizado em Basiléia em Setembro último recomendou a todos os trabalhadores que se agrupem corporativamente em sociedades de resistência, a fim de garantir o presente e de preparar o futuro.
Este e outros princípios essenciais – de organização e de tática – do que depois se chamou “sindicalismo revolucionário” era igualmente formulado nos jornais e congressos regionais em que predominava a fração federalista. Leia-se no interessante livro de Anselmo Lorenzo – “El Proletariado Militante” – o “parecer da Comissão sobre o tema atitude da Internacional com relação à política”, aprovado pelo Congresso de Barcelona (Junho de 1870).
No mesmo livro pode ler-se a tradução dum artigo que percorreu toda a imprensa operária da época e cujo original aparecera em “L’ Internationale”, de Bruxelas. Ocupava-se das “atuais instituições da Internacional consideradas com relação ao futuro” (assim dizia o título) e desenvolvia a idéia que “ a Associação Internacional dos Trabalhadores traz em si o germe da regeneração social”. “ Queremos demonstrar que a Internacional oferece já o tipo da sociedade futura, e que as suas diversas instituições, com as modificações desejadas, constituirão a ordem social que mais tarde há-de reinar”.

Neno Vasco


Excerto do livro VASCO, Neno. Concepção Anarquista do Sindicalismo. Porto: Afrontamento. 1984, p. 75-77.




Anarquismo, educação e revolução: um tema convergente em Bakunin


Antes de principiar minha fala, eu gostaria de agradecer ao professor Marcos Rassi, pelo convite para participar do “1°Colóquio Filosofia e Educação-aproximações”. Ao professor Altamir Fernandes, pela oportunidade de continuar este debate que se iniciou quando ingressei no Curso de História do Unipam, no ano de 2005. E por fim, a todos que se encontram aqui presentes, pela possibilidade do diálogo, que eu espero que não permaneça circunscrito ao âmbito teórico-metodológico, mas, que também alcance o âmbito político-ideológico.
Inicialmente, quando o professor Marcos Rassi me convidou para participar deste colóquio, a proposta original seria abordar as relações entre anarquismo e educação, tornando como ponto de partida a análise de alguns dos paradigmas teóricos e algumas das experiências práticas que, de uma forma ou de outra, fizeram parte da tradição pedagógica libertária. Contudo, na medida em que o formato do colóquio foi se desenhando, eu decidi abandonar essa proposta original, haja vista que um tema tão amplo não poderia ser apresentado em um tempo tão curto. Em virtude disso, eu optei por falar de apenas um pensador anarquista que se ocupou da educação e entrou para o rol da pedagogia libertária, qual seja: o Bakunin.
Mas, antes de proceder essa investigação e analisar o lugar que a educação ocupa dentro da obra de Bakunin, eu passarei, ainda que rapidamente, em revista algumas informações sobre a sua biografia.
Mikhail Aleksándrovich Bakunin nasceu em 18 de maio de 1814 na província russa de Tver, no seio de uma rica familia de proprietários de terras. Desde 1837 começou a estudar a filosofia hegeliana. Em 1840 iniciou o curso de filosofia na Universidade de Berlim, criticando a filosofia especulativa e preferindo a teoria da ação política. De 1843 a 1848 viajou pela Europa, onde conheceu Marx e Proudhon em Paris. Em 1848, participou do Congresso Eslavo em Praga e, no mesmo ano, participou da Revolução Proletária em Paris.
Em 1849 foi preso e condenado à morte por sua participação em uma insurreição em Dresden, mas, sua pena foi anulada e ele foi entregue ao governo russo, onde ficou preso em São Petersburgo e depois, em 1857, foi exilado na Sibéria.Em 1868, de volta a Europa, fundou a Aliança Internacional da Democracia Social, que queria fazer a união com a Associação Internacional dos Trabalhadores,criada em 1864 por Marx. Durante algum tempo as relações entre Marx e Bakunin foram pacíficas. Mas, em 1872, durante a realização do Congresso de Haia, os dois acabaram se desentendendo. O que levou Marx a expulsar Bakunin da Primeira Internacional.
A participação de Bakunin a partir de 1870 na Primeira Internacional, acabou influenciando o proletariado e atraindo mais pessoas, e nesse mesmo período ele começou a criticar o comunismo de Estado, como autoritário. Com o fracasso da Comuna de Paris em 1871, as duas tendências começaram uma briga que a cada ano se agravava, de um lado os socialistas autoritários,e, de outro os socialistas libertários.
Dito de forma muito sucinta: As divergências políticas entre Marx e Bakunin estão embasadas nas diferentes estratégias que ambos formularam e conceberam para a consecução de um objetivo que lhes era comum, qual seja: destruir a sociedade capitalista e construir a sociedade socialista.
Marx acreditava que o processo revolucionário deveria ser conduzido pelos trabalhadores, que, organizados e dirigidos por um partido político, deveriam tomar o poder do Estado e instaurar um governo provisório. Esse governo provisório, denominado de ditadura do proletariado, teria como missão destruir a propriedade privada e socializar os meios de produção entre os trabalhadores. Marx e seus seguidores argumentavam que esse período transitório era de fundamental importância para a consolidação da sociedade socialista. Pois, uma vez que as classes depostas, nesse caso a burguesia, ainda representariam uma ameaça para a revolução, era, portanto, necessário que os trabalhadores se valessem dos meios coercitivos que o Estado dispõe para deter o avanço das forças reacionárias.
Bakunin, por sua vez, acreditava que a revolução deveria ser levada a cabo pelos próprios trabalhadores, que, organizados em seus sindicatos, deflagariam um movimento de amplas greves que se generalizariam por toda a sociedade. No seu desenrolar, a burguesia seria expropriada dos seus bens, os meios de produção seriam socializados e diretamente administrados pelos trabalhadores, através de associações voluntárias tais como comitês de fábrica e conselhos operários, que, livremente federados, se articulariam com a finalidade de substituir o Estado que, depois da Revolução, seria destruído e desalojado da tarefa de gerir o corpo social. Bakunin enfatizava que se no período transitório os trabalhadores entregassem ao Estado, mesmo que este levasse o nome de proletário, todas as fontes da vida econômica e política da sociedade, isso significaria a morte da revolução. Pois, para atingir seus objetivos, esse novo Estado necessitaria do auxílio de um corpo burocrático formado por intelectuais, que se colocariam fora e acima das massas populares, criando, assim, novamente uma sociedade dividida em classes sociais.
Bakunin morreu em 19 de junho de 1875, sem saber o quão atuais foram as suas críticas as futuras “ burocracias vermelhas” do leste europeu e de outras partes do mundo que tentaram implantar o socialismo seguindo o modelo marxista.
Por esses e outros motivos, Bakunin pode ser considerado o prisma por onde irradiou o que mais tarde ficou conhecido como pensamento e movimento anarquista. Nele podemos identificar o anarquismo terrorista, perceber sua influência e também a refutação de alguns de seus princípios coletivistas na formação do anarco-comunismo, tanto o de Kropotkin, quanto o de Malatesta. Também é em Bakunin, que muitas vezes se buscou referência do sindicalismo revolucionário e do anarcossindicalismo. E, por fim, porém, não menos importante, podemos mencionar a contribuição de Bakunin para constituição do conceito de educação integral, que, posteriormente, seria retomado e aprofundado pelos pedagogos anarquistas Robin e Ferrer.
Colocadas essas questões, é possivel avançar um pouco mais na discussão.Como se sabe, os anarquistas, desde Proudhon até Ferrer, passando Bakunin e Robin, sempre atribuíram bastante importância a educação. Para os anarquistas, a importância dada à educação se justificava pela sua concepção de processo revolucionário. Segundo a concepção anarquista, após a revolução, o Estado não deveria ser apropriado e sim destruído. Em virtude disso, rejeitavam a idéia segundo a qual deveria existir um governo revolucionário que promovesse a mediação entre a nova e a velha sociedade. A nova sociedade não poderia ser imposta, mas, sim livremente alcançada pelos diretamente interessados, ou seja: o povo. Na direção de tais preocupações, Leila Floresta de Oliveira, indaga que: “Mas, se a revolução não tem dirigentes, não tem um governo revolucionário, como garantir o êxito da revolução?” (OLIVEIRA, 1997, p.56). E logo adiante responde: “Torna-se, assim, claro o papel da educação como agente formador de mentalidades e vontades libertárias capazes de impulsionar e estimular o processo de mudança e de garantir a continuidade desse processo” (OLIVEIRA, 1997, p.56)
Bakunin, pensador anarquista em torno do qual irei reter minha atenção neste trabalho, nunca realizou uma discussão organizada e sistemática a respeito da educação. No entanto, uma análise mais detalhada e acuida de suas obras demonstra que o libertário russo dedicou certa atenção ao tema educacional, principalmente ao tema da educação integral, que será apresentada, aqui nessa palestra, a partir da perspectiva de uma educação do trabalho.
Nesse sentido, vale notar que os ditos e escritos de Bakunin sobre a educação se inscrevem em um duplo registro: o da crítica ao sistema educacional vigente na sociedade capitalista, por um lado, e o da proposta de um novo sistema educacional na futura sociedade socialista, por outro.
Por ora, irei analisar o primeiro desses dois elementos que compõe a pedagogia libertária, como Bakunin a concebe, qual seja: o da crítica ao sistema educacional vigente na sociedade capitalista.
Em Bakunin nós encontramos uma crítica contundente ao modelo educacional oferecido as classes trabalhadoras no século XIX. Segundo ele, a divisão do trabalho imposta pela sociedade capitalista, depois da Revolução Industrial, criou duas categorias de sujeito: aqueles que pensam e aqueles que executam. A primeira, por ser detentora dos conhecimentos científicos, possui a função diretiva e controla todo o processo produtivo. A segunda, destituída dos conhecimentos científicos necessários para a elaboração do seu fazer, é privada de toda a iniciativa e permanece marginalizada no processo produtivo.
Para Bakunin, as conseqüências dessa divisão do trabalho chega a assumir, muitas vezes, um caráter perverso e insidioso, pois, enquanto a classe dominante se constitui de sábios, a classe dominada se constitui de ignorantes. E a escola, laica ou confessional, ao adotar um ensino bipolar, se converte em instrumento de produção e reprodução das relações sociais que existem no interior dessa sociedade.
Somando-se a isso, Bakunin argumentava que os progressos da ciência, principalmente a partir do século XIX, serviram apenas aos interesses de uma elite. Logo, os progressos materiais e intelectuais do mundo contemporâneo contribuíram, apenas, para aumentar a desigualdade entre os homens e ampliar a dominação. Discutindo os nexos existentes entre poder e saber, Bakunin chama a nossa atenção para o seguinte fato:

Há um fato que deve impressionar os espíritos escrupulosos, a todos que apreciam sinceramente a dignidade humana, a justiça, ou seja, a liberdade de cada um na igualdade e pela igualdade de todos. Trata-se de que todas as invenções da inteligência, todas as grandes aplicações da ciência à indústria, ao comércio e à vida social em geral, só tem sido aproveitada, até agora, pelas classes privilegiadas e à soberania dos Estados, protetores eternos de todas as iniqüidades políticas e sociais, jamais das massas populares. (BAKUNIN, 1979a, p. 34-35)


E avança na discussão colocando em questão que:

O que é que constitui, principalmente, a força dos Estados? A ciência . A ciência de governo... Ciência de tosquiar os rebanhos populares, sem fazer-lhes gritar demasiado e quando começam a gritar, apresentam a ciência de impor-lhes o silêncio, paciência e obediência por meio de uma força cientificamente organizada. (BAKUNIN , 1979a, p. 58)



Outro aspecto contido e expresso na crítica de Bakunin ao modelo educacional, vigente na sociedade capitalista do século XIX, diz respeito ao seu caráter autoritário.
Segundo o modelo pedagógico rousseauniano, que fornece as bases da educação liberal nos oitocentos, o magicentrismo, onde o mestre ocupa o centro, deve ser substituído pelo paidocentrismo, onde o aluno ocupa o centro. Para Rousseau, a criança traz, ao nascer, um conceito inato de justiça e é a sociedade corrompida que a desvirtua. Para impedir que isso ocorra, Rousseau advoga, na sua obra “Emílio”, um tipo de ensino em que as crianças são educadas em completa liberdade, no sentido da ausência de total constrangimentos normativos. Somente dessa forma é que a criança se tornaria, no futuro, um adulto íntegro.
Na verdade, esse modelo pedagógico é, embora não pareça à primeira vista, autoritário de ponta a ponta. Assim como na divisão capitalista do trabalho, os lugares de cada um são rigidamente determinados, reproduzindo o seu conteúdo hierárquico. Como indica corretamente Oliveira, o que ocorre nesse processo:

É apenas uma troca de papéis: onde estava o professor como figura dominante, coloca-se agora o aluno, mantendo-se o princípio da hierarquia. A estrutura da dominação permanece a mesma, o modelo de lugares sociais determinados perdura, apenas invertem-se as posições e faz-se do aluno frequentemente um ditador. (OLIVEIRA, 1997, p.61)

Bakunin, como veremos adiante, encara esse problema a partir de uma outra perspectiva.
Posto isto, irei prosseguir com a apresentação e analisar mais de perto o segundo dos dois elementos que compõe a pedagogia libertária segundo a perspectiva bakuniniana, qual seja: a proposta de um novo sistema educacional para a futura sociedade socialista.
Segundo Bakunin, esse novo sistema deveria ser construído sob a égide do conceito de educação integral. A discussão sobre a educação integral data de um período anterior às preocupações de Bakunin a respeito da educação. Já no segundo congresso da Primeira Internacional, realizado em Lausane, em 1867, o referido item já era objeto de reflexão por parte dos internacionalistas. Sob a batuta de Robin, o debate do tema foi aceito por todos os congressistas, inclusive por Marx. Dentre os itens discutidos, tais como: Funções Sociais, Papel do Homem e da Mulher na Sociedade, Educação da Criança, Liberdade de Ensino, figurava o item Educação Integral, que preconizava um modelo de ensino que se pautasse pela combinação da aprendizagem de caráter teórico e de caráter prático, com vistas a formar um homem completo, que teria condições de trabalhar não só com a mão, mas, também com o cérebro.
Durante o terceiro congresso da Primeira Internacional, ocorrido em 1868, em Bruxelas, Robin não compareceu como delegado, no entanto seu projeto de ensino integral foi adotado. A esse respeito, os internacionalistas deliberaram que:

O congresso, reconhecendo que é impossível no momento organizar um ensino integral, invita as diferentes seções à estabelecer cursos públicos, segundo um programa de educação científica, profissional e produtiva, para remediar, tanto quanto seja possível, a insuficiência da instrução que os proletários recebem atualmente. Fica entendido que a redução das horas de trabalho é considerada como uma condição prévia indispensável (DOMANGET apud VALVERDE, 1996, P.64-65).

Ainda que tardiamente, Bakunin também participou desse debate. A partir de uma série de artigos publicados no jornal “L’ Egalité”, no ano de 1869, sob o título de “A Instrução Integral”, Bakunin apresentou as suas teses que convergem, mas, também divergem daquelas apresentadas por Robin nos primeiros congressos da Internacional.
A reivindicação de Bakunin da educação integral para o povo trabalhador está condicionada a premissa de que todos deveriam receber um ensino que contemplasse tanto conhecimentos teóricos, quanto conhecimentos práticos, pré- requisito básico, argumentava ele, para a abolição da divisão social do trabalho existente na sociedade capitalista. A esse propósito, escreveu que:

Mas estamos convencidos de que no homem vivo e completo cada uma destas duas atividades: muscular e nervosa, devem ser igualmente desenvolvidas e que, longe de se anularem mutuamente, cada uma delas deve apoiar, alargar e reforçar a outra; a ciência do sábio se tornará mais fecunda, mais útil e mais vasta quando o sábio deixar de ignorar o trabalho manual, e o trabalho do operário instruído será mais produtivo do que o do operário ignorante. Donde se conclui que, no próprio interesse tanto do trabalho quanto da ciência, é necessário que não haja mais nem operários nem sábios, mas apenas homens. (BAKUNIN, 1979b, p.38).

Como sugere a leitura do trecho acima, na concepção de Bakunin, a educação integral pode ser dividida em duas partes: uma geral e uma específica.
Na parte geral, deve-se ministrar um ensino cujo foco esteja voltado para o conhecimento a partir da sua perspectiva de conjunto. Essa posição se justifica porque apenas em um segundo momento, quando o aluno já estiver munido de uma ampla gama de conhecimentos, é que ele estará em condições de lidar diretamente com uma área específica do saber.
Essa divisão se dá em virtude de dois fatores: o primeiro, onde o indivíduo recebe uma visão geral, corresponde ao período em que ele toma conhecimento de todas as ciências, o segundo, onde o indivíduo recebe uma visão específica, corresponde ao período em que ele irá optar pela área onde irá trabalhar. A partir dessa proposta o que Bakunin pretende é superar a figura do homem fragmentado, que foi criada e desenvolvida pela divisão capitalista do trabalho.
Com isso Bakunin não pretende, evidentemente, propor um modelo de ensino que uniformize todos os indivíduos. Bakunin tem consciência de que as diferenças individuais existem. Entretanto, ele argumenta que, em virtude da divisão do trabalho existente na sociedade capitalista, essas diferenças individuais são transformadas em desigualdades sociais, e, consequentemente, são operacionalizadas pelas classes dominantes como argumento ideológico para manter o status quo vigente. Contudo, se a divisão do trabalho estivesse organizada de uma outra maneira,e, se desde a mais tenra infância, o indivíduo recebesse uma educação que o possibilitasse realizar tanto trabalhos manuais quanto trabalhos intelectuais, as diferenças individuais, longe de serem ruins, seriam, ao contrário, uma condição para que todos se unissem e se solidarizassem no processo produtivo.
Além do mais, Bakunin acrescia que a socialização do conhecimento científico era um elemento de fundamental importância para a concretização do projeto de educação integral. Apesar de Bakunin criticar a ciência, principalmente em virtude do uso econômico e político em nome da exploração e dominação da classe trabalhadora, ele reconhece a sua extrema importância para o desenvolvimento do ensino integral. Nesse sentido, infere que:

Por essa razão, pela instrução geral, igual para todos e para todas, há de se dissolver a organização social separada da ciência, a fim de que as massas, cessando de ser rebanhos dirigidos e tosquiados pelos pastores privilegiados, possam tomar em suas mãos por seus próprios destinos históricos. (BAKUNIN, 1979c, p.105)


A ciência deveria ser considerada um bem comum, por isso os avanços científicos precisavam estar inseridos nos currículos escolares. Assim, a razão se tornaria um instrumento fundamental para o processo educativo. A racionalidade deveria guiar os conhecimentos adquiridos na escola, de modo que todos tivessem acesso a conhecimentos significativos e importantes para o mundo contemporâneo, tal procedimento forneceria ao proletariado uma educação de qualidade.
Aliás, Bakunin, na condição de um defensor intransigente da liberdade, se opunha a toda e qualquer forma de autoritarismo. Ora, se o objetivo da revolução social é destruir todas as instituições que, além de explorar economicamente, oprimem politicamente os trabalhadores, a escola da futura sociedade socialista não deveria aceitar e reproduzir o molde da escola da sociedade capitalista.
Entretanto, o conceito de liberdade em Bakunin possui um sentido diametralmente oposto ao sentido que o conceito de liberdade possui para os liberais, com quem Bakunin e os anarquistas sempre são, equivocadamente, identificados, ou, pelo menos, aproximados.
Segundo a filosofia política liberal, a liberdade é um fato natural, algo com o qual o indivíduo já nasce, e que a sociedade impede a realização, pois, a liberdade de um indivíduo pode limitar a liberdade de um outro indivíduo. Para resolver esse problema, o Estado deve instaurar a liberdade jurídica, através da lei. Isso acaba por transformar a liberdade em questão puramente formal, que beneficia apenas as classes dominantes.
Já na filosofia política anarquista, da qual Bakunin é um dos intérpretes mais autorizados, a liberdade é um fato social. Ou seja, não nasce com o indivíduo, mas, é conquistada por ele, e pelos demais indivíduos que compõe a sociedade. A esse respeito, Bakunin afirma que: “A liberdade não é um fato individual, mas, um fato coletivo. Nenhum homem poderia ser livre fora e sem o concurso de toda sociedade humana” ( BAKUNIN, 1980, p.17)
Por causa disso, não é possível afirmar que a liberdade na sociedade capitalista seja uma questão real, pois, a liberdade, nesse caso a liberdade dos burgueses, está condicionada à exploração da mão de obra dos trabalhadores.Assim sendo, somente uma sociedade socialista poderia oportunizar a todos os indivíduos, indistintamente, as condições para atingir a liberdade.
Porém, a defesa que Bakunin faz da liberdade, não deve ser confundida com a sua rejeição a autoridade, sobretudo, quando pensada no âmbito escolar. Bakunin, não acreditava que as crianças deveriam ser educadas em completa liberdade, sem ausência de constrangimentos normativos, como reivindicava Rousseau. Ele defendia a autoridade do professor nas primeiras etapas da vida infantil, nesse sentido, a autoridade do professor tomaria a forma daquele que se propõe a orientar, ou seja, mostrar os caminhos que a criança deve trilhar até atingir a maturidade, período onde irá agir de forma totalmente autônoma e independente. A esse propósito Bakunin afirma que: “O princípio de autoridade constitui na educação das crianças o ponto de partida natural: é legítimo e necessário quando aplicada às crianças de tenra idade num momento em que a inteligência não está de nenhum modo desenvolvida” (BAKUNIN, 1989, p.18). Em outro trabalho, completa esse raciocínio, argumentando que: “À medida que as crianças cresçam, a autoridade dará lugar a uma liberdade sempre maior, de modo que, quando chegar à adolescência ela será completamente livre e se esquecerá de que, na infância, teve que se submeter inevitavelmente a uma autoridade" (BAKUNIN, 1980, P114).
Em sua proposta educacional, Bakunin pretendia reconciliar trabalho manual e intelectual, ciência e vida, autoridade e liberdade. Acreditava que todos os homens poderiam alcançar um mesmo grau de educação. No entanto, não devemos nos enganar quanto à importância real que Bakunin outorgava a educação, pois essa era parcial e restrita, nesse ponto ele se distancia de Robin, como vimos anteriormente. Para o anarquista russo, o problema mais importante era o da emancipação econômica, a qual engendraria a emancipação política, moral e intelectual. Ironizando Ferdinand Lassale e os seus seguidores, os quais ele chama, sarcasticamente, de "bons socialistas burgueses", Bakunin defendia que os socialistas deveriam, primacialmente, lutar pela revolução e só depois se preocupar com a educação,e, não o contrário, como argumentavam Lassale e companhia.
De fato, Bakunin se encontra num dilema: o meio no qual desenvolve sua atividade é plenamente influenciado por práticas e idéias que ele combate, mas que também incorpora; ele próprio é fruto deste meio. Como superar esta contradição? Bakunin, põe esta questão nos seguintes termos:

Como iriam (professores e pais) dar aos alunos o que eles próprios não têm? Só com o exemplo é que se prega bem a moral, e, ao ser a moral socialista contrária à moral atual, os professores, necessariamente dominados por esta, fariam diante dos alunos exatamente o contrário do que estariam pregando. De sorte que a educação socialista é impossível nas escolas assim como nas famílias atuais. ( BAKUNIN, 1989 p. 49)

Destarte, somente na futura sociedade socialista, onde já não existiria mais o principio individual da propriedade e os meios de produção seriam postos em comum, é que povo teria, realmente, acesso a educação integral.
Como foi dito anteriormente, Bakunin acreditava que a primeira coisa a ser feita para a emancipação do proletariado era a revolução,e, somente depois, como conseqüência disso, é que viria a educação. Estribado em uma concepção que, a grosso modo, poderia ser chamada de anti-intelectualista, Bakunin argumentava que o povo não deveria ser ilustrado, mas, sim incitado a agir. Consoante a isso, Bakunin partia do pressuposto de que “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Entretanto, como os trabalhadores pouco sabem de teoria, eles devem aprender esse pressuposto na prática. Isto requer, argumentava Bakunin no folheto “A Política da Internacional”, a ação conjunta dos trabalhadores na sua luta contra os patrões e os governantes.
Se analisada a partir dessa última perspectiva, o conceito de educação em Bakunin ganha um outro sentido, muito mais amplo e abrangente. Assim sendo, o processo revolucionário é, em si mesmo, um processo pedagógico. Não se trata, obviamente, de criar uma escola onde se ensine o socialismo, mas, sim de fazer com que as organizações que lutam pelo socialismo tenham um caráter pedagógico. Ao seu ver, não existiria melhor lugar que as associações operárias, em especial os sindicatos, para que os trabalhadores tomassem conta disso. Segundo ele, nos sindicatos os trabalhadores encontram seus companheiros e aprendem a cooperar com os outros em prol dos interesses de sua classe. As lutas por melhorias imediatas, realizadas por meio de greves, tanto as parciais quanto as gerais, fariam com que os trabalhadores adquirissem gradativamente a consciência dos antagonismos existentes dentro das relações entre capital e trabalho, da verdadeira função do Estado, e, conseqüentemente, do papel revolucionário a ser desempenhado na sociedade capitalista.
Essa “pedagogia revolucionária” prepararia e concederia a experiência necessária para que o proletariado realizasse a revolução. Segundo Antônio Valverde:


A orientação bakuninista pôde ser colocada em teste em vários eventos históricos em que os anarquistas estiveram presentes, tais como a Comuna de Paris em 1871, mais tarde na Ucrânia, em 1921, e em todo processo de aprendizagem da Guerra Civil Espanhola, de 1936 a 1939. ( VALVERDE, 1996, p.77)


Os anarquistas que, depois de Bakunin, se ocuparam do tema da educação, adotaram uma postura menos rígida e mais flexível no que se refere essa questão. Robin na França, Ferrer na Espanha e Penteado no Brasil, entre outros, acreditaram ser possível colocar em prática os princípios pedagógicos libertários, estivessem eles vinculados ou não a educação profissional, mesmo na sociedade capitalista. A despeito desse novo posicionamento, os anarquistas não eram ingênuos ao ponto de supervalorizar o papel que a educação poderia desempenhar no processo revolucionário. Todos eles entendiam a ação educacional como um complemento da luta social, não como seu substituto, como a primeira vista poderia parecer.
N a atualidade, a questão vinculada à educação profissional, também conhecida como educação politécnica, tem sido um dos principais itens em pauta nos debates educacionais. Educadores e políticos preocupados com a proposta da educação pelo trabalho, propuseram que a educação profissional fosse a base do ensino médio, tal como atestou os debates prévios à votação da nova lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996.
De modo geral, a educação profissional tem sido percebida como uma expressão da teoria marxista na área educacional, como é possível notar ao analisar a obra de educadores da envergadura de um Dermeval Saviani, por exemplo No entanto, a reivindicação dessa herança não é feita apenas pelos marxistas. De acordo com Silvio Gallo, essas discussões são compartilhadas por outras correntes do pensamento socialista, e, inclusive, são anteriores e mais profundas do que aquelas que foram desenvolvidas por Marx e seus seguidores. A esse propósito, Gallo destaca que:


Dentre estas vertentes do pensamento socialista, os anarquistas sempre deram grande importância à educação- o que os levou a ganhar a fama de “idealistas” ou mesmo de “ utópicos”. Assim, a questão da politecnia é vista de modo muito especial entre os anarquistas. (GALLO,1993, p.34)

Retomando e aprofundando as questões levantadas por Bakunin e seus sucessores sobre a pedagogia libertária como um todo, e, não apenas uma de suas facetas, como procurei fazer aqui nesta palestra, Gallo argumenta que a discussão se a revolução educará as massas, ou, se as massas deverão ser educadas para a revolução encerra um falso problema. Pois:


as duas coisas estão juntas e acontecem simultaneamente: é óbvio que uma sociedade libertária deve educar para a liberdade, mas uma sociedade assim só pode existir se as massas lutarem para a sua construção, o que só farão se estiverem conscientes de sua necessidade, consciência esta que se adquire- ou não- pela educação ( seja via instrução, seja via educação política nos meios operários) ... no momento em que educamos para a liberdade e a igualdade, no seio de uma sociedade de exploração e desigualdade, já estamos realmente fazendo a revolução ( GALLO, 1995, p.67)


Contudo, acredito que devemos ficar atentos no que concerne o caráter unilateral e simplista de alguns projetos, que vêem na educação profissional e na educação em geral, um instrumento capaz de superar todas as contradições geradas pela sociedade capitalista. Diferentemente de Cristovam Buarque, para quem a educação pode mudar o mundo, nós, educadores ou não, devemos reconhecer que a educação desempenha um papel pequeno em todo e qualquer processo de transformação social. Pequeno, mas, não nulo. Se a educação não pode mudar o mundo, ela pode, ao menos, mudar as pessoas e as pessoas, podem, como já dizia Paulo Freire, mudar o mundo.


Thiago Lemos Silva.




Este texto foi apresentado no “1° Colóquio Filosofia e Educação-aproximações”, no dia 06 de maio de 2009, no Centro Universitário de Patos de Minas. A palestra “Bakunin e a Educação” obteve uma ótima recepção por parte do público presente, formado por estudantes, professores e membros da comunidade. Nós, do Eidos, esperamos que esta oportunidade sirva para uma maior inserção do anarquismo não apenas no âmbito acadêmico, mas, também no âmbito social e político de Patos de Minas.





Referências

BAKUNIN, Mikhail. La Instruccion Integral, Barcelona: Pequena Biblioteca Calamus Scriptorius, 1979a.
_______. Dios y el Estado. Barcelona: Júcar, 1979b.
_______. O Socialismo Libertário. São Paulo: Global, 1979c.
_______. La Liberdad. Mardid: Júcar, 1980.
_______. et al. Educação Libertária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
_______. A dupla greve de genebra. São Paulo: Imaginário, 2007.
GALLO, Silvio. Politecnia e Educação: a contribuição anarquista. In: Pró-posições, vol. 4, n°3, Campinas: Unipcamp, dez. 1992.

_______. Pedagogia do Risco. Campinas: Papirus, 1995.

LEVAL, Gaston. Bakunin: fundador do sindicalismo revolucionário. São Paulo: Imaginário, 2007.

OLIVEIRA, Leila Floresta. Educação Libertária: paradigmas teóricos e experiências pedagógicas. Dissertação (Mestrado em Educação). UFU, Uberlândia, 2001.

VALVERDE, Antônio. Pedagogia Libertária e Autodidatismo. Tese (Doutorado em Educação) Unicamp, Campinas, 1996.





Anarquismo reconstruído

Dicionário histórico-biográfico reconta a história deste movimento no Brasil

O espanhol José Romero desembarcou no Brasil em 1890, aos dois anos de idade, aqui estabeleceu residência durante 29 anos, teve filhos e trabalhou como operário têxtil. Edgard Leuenroth, filho de farmacêutico alemão, nasceu no ano de 1881, em Mogi-Mirim (SP), trabalhou como menino de escritório, balconista, aprendiz de tipógrafo e jornalista. O professor José Oiticica era brasileiro, nasceu em 1882, na cidade de Oliveira, Minas Gerais, foi também poeta, teatrólogo e filósofo. Estes três homens têm muito em comum, além do fato de terem vivido no mesmo momento histórico. Eles compartilharam idéias e valores: fizeram parte do chamado movimento anarquista, que se desenvolveu no Brasil nas primeiras décadas do século XX.
Estes são apenas alguns, entre as dezenas de personagens que terão suas minibiografias registradas no Dicionário histórico-biográfico do anarquismo(s) no Brasil, obra que está sendo preparada a partir dos resultados de estudos sobre o anarquismo no Brasil, coordenados pela professora Jacy Alves de Seixas, da Universidade Federal de Uberlândia.
Por meio da atuação dos militantes, o trabalho desvenda os caminhos e as peculiaridades do movimento no país.
O anarquismo nasceu na Europa, em meados do século XIX, junto com o marxismo e outras correntes socialistas.
O movimento, que tem como princípio a luta de classes e a ação direta, teve seus antecedentes em alas radicais da Revolução Francesa e ganhou força a partir da Revolução Industrial, com o desenvolvimento do capitalismo. Os anarquistas defendem a ausência de governo, a liberdade individual e a igualdade social, razão pela qual combatem fortemente o capitalismo. “Desde o início, o anarquismo era um questionamento da representação política, o poder de falar e agir não devia ser delegado. Esse é o principal ponto em que diverge do socialismo”, explica Jacy Seixas.
No Brasil, seu surgimento, nas primeiras décadas do século XX, coincide com um momento de grande imigração, com a explosão demográfica, a criação dos bairros operários e o emprego da mão-de-obra livre no desenvolvimento da economia cafeeira e da indústria incipiente. “Queremos reabrir a discussão sobre o primeiro movimento operário no Brasil, que é o anarquista”, constata a professora.
Os estudos sobre o anarquismo no país são, segundo os organizadores do dicionário, ainda insatisfatórios.
A historiografia aponta uma visão estreita, que tende a mostrá-lo como um movimento que não passou de uma utopia de começo de século, que não conseguiu alcançar de maneira suficiente os meios operários e perdeu apoio popular, sucumbindo perante o Estado. O trabalho propõe, por meio de registros da época, uma nova forma de ler essa página da história, partindo dos personagens que dela participaram. “Valorizamos cada indivíduo que fez parte daquele momento e que, por meio das pesquisas, pôde ser localizado, e não apenas dos líderes e os que obtiveram maior destaque”, conta. A idéia é registrar experiências e perfis anarquistas para mostrar o movimento, abrindo possibilidades de novas pesquisas.
Uma das visões que o estudo desconstrói em relação ao anarquismo é a de que ele seja uma idéia externa à realidade brasileira, pregada por uma minoria de militantes que vinham de outros países. A identificação com imigrantes era, na época, inclusive uma maneira de desqualificar o movimento. Segundo a pesquisadora, não se pode minimizar a contribuição do estrangeiro na construção das manifestações operárias brasileiras, ainda mais considerando sua presença efetiva na formação das próprias classes proletárias, mas os registros mostram que os militantes não eram apenas imigrantes, muitos eram brasileiros e vinham, sobretudo, do movimento republicano. Os ativistas apresentam múltiplos perfis, que contribuem para a construção do anarquismo. Alguns iniciam desde a juventude seu engajamento, outros aderem já na maturidade, a partir do contato com a literatura libertária, ou com a realidade dos trabalhadores, incluindo tanto militantes que vieram de outros países, quanto pessoas nascidas ou que se formaram, politicamente, no país.
Além disso, o anarquismo prezava, independentemente de nacionalidade, a luta dos trabalhadores contra o sistema capitalista. Assim, o envolvimento dos imigrantes nas questões sociais não estaria vinculado à sua origem, mas à sua inserção na sociedade brasileira e ao desejo de transformação social.

Cultura Nacional

O discurso anarquista opunha-se diretamente aos valores do capitalismo, a toda atitude e estilo de vida que fossem associados a valores “burgueses”. No Brasil, essa oposição manifestava-se em relação ao catolicismo, ao baile, ao futebol e às bebidas alcoólicas.
Jornais e outros registros da época mostram que o anarquismo, como movimento social e político, consegue penetrar no Brasil e desenvolve, no país, características próprias. Os anarquistas atuam não apenas por meio da divulgação dos ideais libertários, mas organizam um expressivo sindicalismo e associações diversas, como ligas de inquilinos, de bairro, grupos de teatro, centros de estudos, entre outras. “Além de comícios e greves, eles criam vias de convivência, como centros de cultura, onde mesclam diversão e politização, festas-propaganda, piqueniques, publicam jornais e panfletos para divulgar assuntos diversos que dizem respeito à vida operária”, conta Jacy Seixas.
Essa diversidade de práticas é vista pelos pesquisadores como um indício de que as idéias libertárias atingiram um grande número de pessoas, entre homens e mulheres de distintas nacionalidades, ocupações e condições socioeconômicas, que acabam se tornando militantes ou simpatizantes.
A incorporação de idéias como o antimilitarismo, a preocupação com o papel da mulher, a defesa da liberdade sexual, entre outras, no cotidiano das pessoas aponta a existência de uma “cultura anarquista”, já que alguns desses traços ultrapassam os limites do movimento operário e permeiam outras dimensões da vida de homens e mulheres que não se dizem anarquistas.
De acordo com Jacy Seixas, o anarquismo nasce das relações humanas existentes naquele período e da luta pela emancipação social travada dentro de um contexto. Ele tem uma formação histórica, e não pode ser caracterizado como mera ideologia propagada por “agitadores estrangeiros”.
A estratégia operacional proposta para promover a transformação social era a “ação direta”, que prega a atuação livre e espontânea da pessoa, preservando sua autonomia. O próprio indivíduo deve agir para alcançar seus objetivos, e não obtê-los por meio da ação de terceiros, pois, para eles, quem dá o poder de decisão a outros não é livre. “Baseados nesse princípio, eles criam o primeiro sindicalismo no Brasil”, conclui Seixas.
Virgínia Fonseca
Fonte: Revista Minas Faz Ciência Nº 24 (dez de 2005 a fev de 2006)
Disponível em: http://revista.fapemig.br/materia.php?id=413 .


Notícias libertárias.....

Nota de falecimento de Edgar Rodrigues

Informamos com profunda tristeza o falecimento do escritor anarquista, militante e associado do Centro de Cultura Social, Edgar Rodrigues.Sua morte se deu por volta das 20h de ontem, 14/05, devido a uma parada cárdio-respiratória. O corpo será cremado entre sábado e domingo sem cerimônia, como ele queria. Autor de dezenas de obras e centenas de artigos sobre a história e as idéias anarquistas no Brasil e em Portugal, Edgar foi o maior e o mais importante difusor da cultura libertária desde o final dos anos 1960 quando publicou, sob a ditadura militar, a trilogia tornada clássica e indispensável em nossos dias: “Socialismo e Sindicalismo no Brasil, 1675/1913”, “Nacionalismo e Cultura Social, 1913-1922” e “Novos Rumos, 1922-1945”. Edgar foi também fundador e um dos principais fomentadores do arquivo atualmente em posse do Círculo Alfa de Estudos Históricos (Grupo Projeção), para o qual, não obstante sua obscura expulsão, destinou partes substanciais de seu precioso acervo pessoal reunido ao longo de uma vida e com duros esforços.A jovem geração anarquista que surge em meados dos anos 1980 juntamente com a reabertura do Centro de Cultura Social de São Paulo, certamente não saberia passar sem Edgar Rodrigues. Esta geração lhe é grata pela generosidade com a qual ele sempre soube lidar com o patrimônio cultural do anarquismo e por seu trabalho incansável de resgate da história e da memória anarquista. Edgar que se foi aos 88 anos estará sempre presente para nós por meio de suas obras, por sua tenra lembrança e por uma vida dedicada ao anarquismo.

Fonte: http://www.ccssp.org/



Greve dos servidores públicos municipais em Patos de Minas

Em virtude da recusa da atual prefeita, Béia Savassi, de atender as suas demandas, na manhã do dia 07 de maio, os servidores públicos da prefeitura municipal de Patos de Minas entraram em greve. Desde o início do ano, os funcionários públicos estão reivindicando um aumento de 15% em seus salários. Em contrapartida, o índice proposto pela administração de Béia Savassi é de apenas 3%, o que, evidentemente, não agradou os trabalhadores municipais.
Os servidores municipais patenses, que reclamam perdas salariais de 26% acumuladas nos últimos anos, rejeitaram a proposta da Prefeitura e se mostraram dispostos a brigar por melhores salários.
Na realidade, toda essa situação só confirma uma das verdades mais banais que existe, qual seja: os trabalhadores só podem obter as conquistas que são capazes de tomar! Portanto, ação direta neles!


Livro sobre Neno Vasco Acaba de ser Publicado


A Livraria e editora Letra Livre acaba de publicar, numa pequena tiragem, a obra de pesquisa histórica, «Minha Pátria é o Mundo Inteiro» do historiador brasileiro Alexandre Samis sobre Gregório Nazianzeno Moreira de Queirós e Vasconcelos, mais conhecido por Neno Vasco (1878-1920), um intelectual que actuou nos meios operários em Portugal e no Brasil com particular importância na imprensa sindicalista da época. Apesar da sua morte prematura destacou-se como um dos mais importantes militantes libertários do começo do século XX, sendo autor do livro «A Concepção Anarquista do Sindicalismo». Nascido em Penafiel em finais do século XIX, formou-se em direito na Universidade de Coimbra e viveu no Brasil e em Portugal tendo um importante papel na animação de inúmeros jornais operários sendo uma das principais referências do movimento sindical do começo do século XX em Portugal e no Brasil. «Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o Anarquismo e o Sindicalismo Revolucionário em Dois Mundos». Alexandre Samis. Letra Livre, Lisboa, 2009. 455pp.

Fonte:http://www.midiaindependente.org/pt/red/2009/04/444307.shtml.




Semana da Luta antimanicomial em Patos de Minas

De 18 a 20 de Maio, diversos profissionais, que, integram o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), de Patos de Minas, promoveram uma série de debates e reflexões, em torno do movimento antimanicomial. Tal movimento vem ganhando, nas últimas décadas, a sensibilização e a adesão tanto dos profissionais da área da saúde, dentre eles, psicólogos, psiquiatras, enfermeiros... como também de toda a comunidade, seja aquela que tenha ou não, algum tipo de vínculo com pessoas com sofrimento psíquico.
Sendo assim, este evento vem nos mostrar uma conquista significativa, no que se refere às novas possibilidades de tratamento que podem ser oferecidas aqueles que sofrem desta patologia.



Programação do Centro de Cultura Social – São Paulo

Seminário: Pedagogia, sujeito e resistências: verdades do poder e poderes da verdade – 1 ° Semestre de 2009.

A modernidade conheceu um dos maiores investimentos do poder sobre a verdade ao constituir seus maiores regimes políticos indexados e organizados explicitamente em filosofias: a Revolução Francesa e o Império napoleônico foram rousseaunianos; o Estado prussiano encontrou em Hegel seu teórico; Marx foi a fonte de inspiração do Estado soviético. Foram Estados que estabeleceram reflexões sobre si, organizaram-se e definiram suas escolhas a partir de proposições, sistemas e verdades filosóficas que são historicamente localizáveis. Neste limiar de modernidade, as verdades do poder tiveram seu mais alto grau de intensidade sobre a vida. No entanto, desde a queda dos regimes totalitários não cessou-se de celebrar o fim das grandes verdades filosóficas. A história mostrou o quanto é perigoso um regime político que pretende prescrever a verdade; mas, de outro lado, como afirmou Foucault, “nada é mais inconsistente que um regime político indiferente à verdade.” (Michel Foucault, Dits et écrits vol.II, p. 1497) Assim, se na governamentalidade dos regimes totalitários a verdade do poder, intangível e inevitável, era o elemento imobilizador; hoje, o poder da verdade parece constituir o instrumento fundamental das democracias: o cidadão como sujeito político responsável é impensável sem relações com a verdade, sem a inscrição pedagógica nos corpos. Tomando as pedagogias como práticas de disciplinarização das visões de mundo, dos sentidos e das maneiras de agir e falar, este seminário convida ao estudo das conexões entre epistemológico e político, dos regimes de verdade que nos atravessam hoje.

09/05: O Feudalismo Acadêmico, com Nildo Avelino (Doutor em Ciências Políticas pela PUC-SP, pesquisador no Mo.Dy.S das Universités Lumière-Lyon 2 e Jean Monnet, autor de Anarquistas: ética e antologia de existências – Rio de Janeiro: Achiamé, 2004 –, associado ao CCS).

23/05: Anarquia de Proudhon: na série política [autoridade e liberdade]: alógica do absoluto: eu, com Natalia Montebello Doutoranda em Ciências Políticas pela PUC-SP, pesquisadora noNu-Sol, associada ao CCS.

06/06: Sociedade de controle, universidade e perspectiva ambiental: capturas e resistências, com Ana Godoy (Pesquisadora, Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, Pós-Doutora pela Faculdade de Educação da UNICAMP, autora de A menor das ecologias – São Paulo: EDUSP, 2008).

20/06: Por uma Pedagogia Menor - subjetividades experienciantes e experiências deslizantes, com Gláucia Maria Figueiredo (Doutoranda FE-UNICAMP, pesquisadora FAPESP, participante dos Grupos de Estudos e Pesquisas - Dis/Transversal/GePed/UNICAMP, prof.ª nas Faculdades Network – Sumaré – São Paulo).

27/06: Acerca de uma “pedagogia” da insubmissão, com Carlos José Martins (prof. na UNESP/Rio Claro, Doutor em Filosofia pela UFRJ, autor de "A vida dos corpos e das populações como objeto de uma biopolítica na obra de Michel Foucault". In: O legado de Foucault. São Paulo: UNESP, 2006, v.1, p. 177-198; “Utopias e heterotopias na obra de Michel Foucault: pensar diferentemente o tempo, o espaço e a história”. In: Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzscheanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 85-98.
Fonte: http://www.ccssp.org/.


Colóquio 200 Anos de Proudhon 26 e 27 de maio / 2009 RIO DE JANEIRO - RJ

Há dois séculos atrás, em 15 de janeiro de 1809, na cidade de Besançon naFrança, nasce Pierre-Joseph Proudhon, um menino que no seio simples de umafamília de artesãos, trabalhou como vaqueiro, saiu do campo ainda jovempara o oficio de tipógrafo, onde daria início a suas leituras, ganhou umaespécie de bolsa de estudos, mas foi duramente perseguido por sua produçãointelectual. O que é a Propriedade?, publicado em 1840, foi o primeiroensaio entre muitas outras obras polêmicas escritas por esse pensador, queinfluenciou grupos de trabalhadores na luta em defesa da autogestão, dofederalismo e da liberdade. Passados 200 anos, seus escritos continuamservindo de ferramenta para a emancipação social, para aqueles quereconhecem esse homem como “O Pai da Anarquia”.A realização de um “COLÓQUIO 200 ANOS DE PROUDHON” visa apresentar estepensador aos setores dos movimentos sociais e comunidades acadêmicas quese interessem por ter contato com a vida e a obra de Proudhon, explorandodiversos temas como: “Proudhon e a Dialética”, “O mito da classe produtivaem Proudhon”, “A Contribuição de Proudhon para o Brasil”, “Crítica àPropriedade pelo Movimentos Sociais”, “Proudhon e a Franco-Maçonaria”,“Proudhon e Educação”.


PROGRAMAÇÃO: O evento será realizado nos dias 26 e 27 de Maio de 2009, com quatro mesas temáticas distribuídas em dois dias seguidos, uma terça-feira e uma quarta-feira.
* 26 de maio, terça.Biblioteca Central da UNIRIO, Sala de Multimídias: Av. Pasteur, 436. URCA
09h às 12h
Milton Lopes / Robledo Mendes da Silva / Silvério Augusto Moura Soares de Souza
14h às 17h Angela Maria Souza Martins / Leo Vinicius Maia Liberato
* 27 de maio, quarta. Sala Evaristo de Moraes Filho (109) / IFCS- UFRJ Largo de São Francisco,01.
Centro 09h às 12h
Milton Lopes: “A Contribuição de Proudhon para o Brasil” /Robledo Mendes da Silva:
“Proudhon e a Franco-Maçonaria” / Silvério Augusto Moura Soares de Souza: “Proudhon e Educação”
14h às 17h Angela Maria Souza Martins: “Proudhon e a Dialética” / LeoVinicius Maia Liberato: “O mito da Classe Produtiva em Proudhon” / RafaelBorges Deminicis: “Crítica à Propriedade pelos Movimentos Sociais”
PARTICIPANTES DAS MESAS:Angela Maria Souza Martins (Profa Dra. da UNIRIO/NEB-NEPHEB)Leo Vinicius Maia Liberato (Pós-Doutorando Universidade de São Paulo)Milton Lopes (Jornalista, CIRA-Brasil, NPMC, GEA-NEC-UFF)Rafael Borges Deminicis (Mestrando Universidade Estadual do Norte Fluminense)Darcy Ribeiro,UENF (Membro fundador do GEA-NEC-UFF)Robledo Mendes da Silva (Mestrando em Educação UNIRIO/NEB-NEPHEB, Membrodo NPMC e CIRA-Brasil)Silvério Augusto Moura Soares de Souza (Mestre em EducaçãoUNIRIO/NEB-NEPHEB)

COMISSÃO ORGANIZADORA NEB-NEPHEB/UNIRIOAMORJ/IFCS/UFRJNPMC/CIRA-B

Nenhum comentário: