domingo, 20 de junho de 2010

EIDOS INFO-ZINE # 24




EDITORIAL

Caros Amigos,

Nesta edição, Marcolino Jeremias traz uma breve síntese da vida e obra do militante anarquista Diego Giménez Moreno, que faleceu recentemente e deixou uma profunda tristeza nos meios libertários. Com a publicação deste artigo, nós do Eidos procuramos fazer uma pequena homenagem a este grande homem.
Logo em seguida, Moésio Rebouças entrevista Fabrício Monteiro a respeito do seu livro “O niilismo social: anarquistas e terroristas no século XIX”, que foi recentemente lançado pela Editora Annablume.
E por fim, Thiago Lemos Silva nos apresenta a sua resenha do belíssimo livro “O espírito da revolta: a greve geral anarquista de 1917” de autoria de Christina Roquette Lopreato.
Em julho de 2010, o Eidos completará 10 anos. Com o objetivo de comemorar esta importante data, iremos organizar uma edição especial de aniversário. Para tanto, gostaríamos de pedir a todos aqueles que se identificam com a nossa proposta, que nos enviem artigos de sua autoria para a publicação. O Eidos número 25, será publicado no mês de agosto.

Boa leitura e anarquizem!!!

CONTATOS

Fernanda Caroline de Melo Rodrigues: fernandaanarquista@yahoo.com.br
Thiago Lemos Silva: thiagobakunin@yahoo.com.br


ARTIGOS

Diego Giménez Moreno – Um Exemplo de Atuação Anarquista*

Negando a oportunidade de ter uma vida cômoda dentro da sociedade capitalista, a trajetória de Diego Giménez Moreno no movimento anarquista foi edificada com dedicação, coerência, força de vontade e muita coragem para lutar contra a violência, a repressão, a injustiça, as ditaduras (de direita e de esquerda) e toda espécie de obstáculos que se apresentaram no decorrer do caminho.
Viver clandestinamente, abdicar da companhia de seus familiares, abandonar seu país de origem, ser julgado e condenado a ser preso em campos de refugiados (construídos com dinheiro público), foi o preço que Diego teve que pagar por semear as idéias libertárias de igualdade e solidariedade humana.
Diego Giménez Moreno nasceu no dia 10 de abril de 1911, na Vila de Jumilla, província de Murcia. Filho mais velho de Maria Moreno Muñoz e de Diego Giménez Guardiola, seu pai era trabalhador rural e filiado a União Geral dos Trabalhadores (U.G.T.). Na residência familiar viviam também seu irmão (Roberto Giménez Moreno), suas irmãs (Ana Giménez Moreno e Maria Giménez Moreno, essa última ainda viva) e sua avó materna (Ana Muñoz Avellán).
Na infância Diego Giménez estudou em uma escola pública em Jumilla, onde havia aulas religiosas. Certa vez, o professor castigou fisicamente Diego por não ter respondido uma pergunta sobre o catecismo. Ao informar o episódio ao seu pai, Diego foi transferido para uma escola do sindicato, onde seu pai era filiado. Estudou até os 8-9 anos e foi ajudar seu pai no trabalho agrário.
Na seqüência, a família de Giménez fixou residência em Badalona (Barcelona-Catalunha), buscando melhores condições de trabalho.
Inicialmente, Diego (aos 12 anos) começou a trabalhar numa fábrica de velas, para ajudar seu pai que trabalhava na empresa francesa Cros de produtos químicos. Pouco tempo depois Diego já estava trabalhando na empresa italiana Metagraf, que reunia trabalhadores gráficos e metalúrgicos.
Nessa época, seu pai trouxe o livro “Manolín – Leyenda Popular” de Estéban Beltrán Morales (4ª edição, 1910, Espanha) e esta foi sua primeira leitura socialista.
Em 1928, Diego Giménez (com 17 anos) perdeu seu pai, que morreu aos 42 anos por intoxicação aos produtos químicos com os quais trabalhava e se tornou o homem mais velho de sua família, redobrando sua responsabilidade.
Após o final da ditadura espanhola (1923-1930) e das eleições de 14 de abril de 1931, com a vitória do Partido Republicano, surgiram diversas publicações de caráter anarquista, das quais Diego Giménez Moreno teve acesso, entre elas: La Novela Ideal (de Federico Urales, Pseudônimo de Juan Montseny), La Revista Blanca , El Luchador, Generación Consciente (posteriormente Estudios) e a partir dessas leituras sobre pedagogia libertária, medicina natural, educação ambiental, tecnologia, entre outros, tornou-se anarquista e começou a militar no Sindicato das Artes Gráficas, onde tornou-se tesoureiro, secretário e depois presidente do Sindicato.
Nas palavras do próprio Giménez: “Fui presidente do Sindicato das Artes Gráficas e isso não é um orgulho para mim! Não é um prêmio! É uma obrigação que eu tive no terreno do sindicalismo... Durante a guerra civil, tentei deixar meu cargo e não me permitiram. Naquela noite chorei... Chorei sim, na assembléia, porque vi que eles queriam que permanecesse ali”.
Em 1934, Diego se casou com Maria Roger Aguilar, e no ano seguinte nasceu seu primeiro filho Helios Giménez Roger.
Em 17 de julho de 1936, quando o exército do general Franco se levantou contra a República e Barcelona se insurgiu contra o golpe de Estado, Diego Giménez Moreno participou da revolução armada nas ruas.
No dia 26 de julho de 1936, o Sindicato de Barcelona proclamou a volta ao trabalho. Na fábrica onde Diego trabalhava (Metagraf) juntamente com cerca de mil operários, o patrão fugiu e nomeou-se um comitê autogestionário composto por um trabalhador de cada secção industrial, para dar continuidade ao trabalho fabril. Diego coordenou uma pequena secção na indústria de embalagens.
Em setembro de 1937, Diego Giménez chegou ao front de guerra, a 30 quilômetros de Zaragoza (capital de Aragão) na Brigada 21 da Coluna Durruti, setor Bajo Abril. O capitão, que era um amigo e companheiro anarco-sindicalista, queria enviar Diego para a Escola de Guerra em Barcelona e em três meses ele voltaria com grau de tenente. Diego comenta o episódio: “Eu falei para o capitão que ele sabia que nós não havíamos sido educados para isso e, portanto, não aceitei o convite. Hoje eu estaria recebendo um salário mensal de tenente, é um dinheiro, não? Mas eu não estou preocupado, eu fiz o que minha consciência anárquica me aconselhava”.
Segundo o próprio Diego, o setor onde ele estava “não era um lugar de luta constante porque não tínhamos armas suficientes para o enfrentamento. Não recebemos ajuda, nem fuzis, passamos meses nessa situação”. Posteriormente, esse grupo foi substituído pelas Brigadas Internacionais e a nova linha de defesa passou a ser em Montsec (Lérida), província de Catalunha. Diego fez parte de um grupo de defesa contra gazes na Brigada 21 da 26ª Divisão (antiga Coluna Durruti), que além de conservar o equipamento, treinava a utilização de máscaras, simulando situações de emergência, e transmitia esses conhecimentos para grupos de soldados em hora de descanso.
Em 20 de novembro de 1938, durante as homenagens do segundo ano da morte do anarquista Buenaventura Durruti, ao sair de madrugada para Barcelona, Diego foi ferido com um tiro e, após os primeiros socorros, levado para um hospital na cidade de Manresa (Bages-Barcelona). Foi justamente quando recomeçou a ofensiva franquista, chegando muitos feridos neste hospital.
Diego foi evacuado para o Monastério de MontSerrat (Bages-Barcelona), onde ficou por quinze dias e depois o levaram para Santo Hilário, recebendo a visita de sua mãe e esposa.
Em dezembro de 1938, com o avanço dos fascistas, Diego foi levado para o hospital de Ripoll (Barcelona-Catalunha), onde ficou mais 15 dias e seguiu para Puigcerda (Gerona-Catalunha), depois Bourg-Madame (já na França) e de trem até Auch (Gers-França), num quartel que tinha sido adaptado para um hospital.
No dia 31 de abril de 1939 (final da guerra civil espanhola), Diego foi enviado para o Campo de Refugiados Sept Fonds, e lá esteve (entre outros) com um companheiro de 16 anos chamado Juan.
Em Sept Fonds, pôde manter correspondência com a família, porém, esteve o tempo todo mal alojado (não tinha leito para dormir, entre outras coisas) e tinha acesso a pouco alimento.
Durante alguns meses, participou de uma companhia de trabalho na construção de uma estrada de ferro entre as cidades de Le Mans (capital de Sarthe) e Le Loar, e outra nas proximidades de Bourdeaux (capital de Aquitania).
Em 1940, quando os alemães invadiram Bordeaux, Gimenez foi transferido para um campo de refugiados em Le Vernet (Ariège) e depois Melilesben, onde pôde visitar os companheiros Fernando e Aurora, em Pamiers (Ariége).
Diego trabalhou ainda no rescaldo do rio Tet (sul da França) e na construção de uma central elétrica.
No dia 12 de fevereiro de 1942, Giménez saiu clandestinamente em direção a fronteira da Espanha. Sua companheira, Maria Roger Aguilar, havia lhe informado que a polícia espanhola não sabia de sua atuação sindicalista (naquela conjuntura social, participar de sindicato era considerado crime) e, portanto, não constava nenhuma punição contra ele.
Diego foi até a cidade de Figueras (Gerona-Catalunha), onde a polícia o levou algemado até um quartel de Barcelona. Ficou durante dez dias num Campo de Depuração em Reus (Tarragona-Catalunha) e foi libertado em 24 de fevereiro de 1942, quando pôde novamente se reunir com sua esposa, seu filho e sua filha Luz Giménez Roger.
Em Barcelona trabalhou 10 anos em uma fábrica onde a carga horária chegava até 16 horas por dia. A situação econômica era muito difícil e mesmo com o trabalho de sua companheira, de seu filho (com 16 anos) e de sua filha (com 12 anos) não era o suficiente para superar as dificuldades.
No dia 16 de março de 1946, nasceu sua nova filha, Rosa Giménez Roger, e no dia 10 de abril de 1952, Diego resolveu embarcar para o Brasil com seu filho. Quinze dias depois, chegaram ao Porto de Santos.
Fixaram residência na Vila Santa Clara, na cidade de São Paulo, e em poucos dias, Diego e seu filho já estavam trabalhando.
Após oito meses, a esposa e as duas filhas puderam também imigrar para o Brasil.
Por intermédio de um amigo (Joaquim Vergara), Diego fez contato com a Sociedade Naturista Amigos de Nossa Chácara (que na época, era o local onde se realizava os Congressos Anarquistas no Brasil) e com o Centro de Cultura Social, desde então contribuindo e participando das atividades de ambos.
Entre 1972-1973, escreveu artigos para o periódico anarquista “Le Combat Syndicaliste” (Paris-França), com os pseudônimos de “El Buscador” e “El Exiliado”. E em 5 de outubro de 1975, escreveu e publicou em português (dividindo a autoria com seu irmão Roberto Giménez Moreno) o livro “Mauthausen – Campo de Concentração e de Extermínio” (tiragem de 2.300 exemplares), pela Ediciones HispanoAmericanas no Brasil.
Diego Giménez Moreno também proferiu diversas conferências em São Paulo (a maioria no Centro de Cultura Social) e em outras cidades paulistanas, sobre sua experiência libertária na guerra civil espanhola, assim como procurou sempre estar em contato com os jovens.
Um forte traço do caráter de Giménez é sua irrefutável autonomia, sendo adversário ferrenho do tabagismo e do alcoolismo. O vício constitui uma fraqueza de vontade e, por sua vez, o consumo de álcool e tabaco, além de prejudicar a saúde, fortaleça a indústria dessas drogas e do próprio capitalismo.
Nas palavras de Diego: “Ao comprar cigarro e álcool você está alimentando o patrão, que se aproveita de sua debilidade”.
Também é adepto do vegetarianismo, afirmando ter sido influenciado pelos escritos do dr. Isaac Puente Amestoy (C.N.T.– F.A.I.), na revista Estudios.
Assim como outros de sua geração, Diego segue um velho lema anarquista: “Enquanto vivermos sob o capitalismo, devemos consumir o mínimo necessário”.
Hoje, aos 96 anos de idade, Diego Giménez vive em São Bernardo do Campo (São Paulo-Brasil), e com o mesmo vigor que combateu os fascistas na revolução espanhola, combate agora um novo inimigo: o mal de Parkinson.

Livros que falam sobre a trajetória anarquista de Diego Giménez Moreno:

- “Mauthausen – Campo de Concentração e de Extermínio”, de Giménez Moreno, Ediciones HispanoAmericanas, São Paulo – Brasil, 1975;

- “Três Depoimentos Libertários”, Entrevistas com Diego Giménez Moreno, Jaime Cubero e Edgar Rodrigues, Editora Achiamé, Rio de Janeiro – Brasil, 2002;

- “Anarquistas: Ética e Antologia de Existências”, de Nildo Avelino, Editora Achiamé, Rio de Janeiro – Brasil, 2004.



Marcolino Jeremias é pesquisador do movimento anarquista e operário em Santos-São Paulo e membro fundador da Editora “Opúsculo Libertário”.



* Este artigo foi escrito pelo autor pouco tempo antes da morte de Diego Gimenez, que infelizmente nos deixou dia 02 de junho de 2010. A publicação deste artigo foi apenas uma pequena homenagem que nós Eidos procuramos fazer a este grande anarquista.

ENTREVISTAS

Entrevista com Fabrício Monteiro, autor do livro “O niilismo social: anarquistas e terroristas no século XIX”

[O historiador Fabrício Monteiro* acaba de lançar o livro “O niilismo social: anarquistas e terroristas no século XIX**” (Editora Annablume). Leia a seguir a entrevista que ele concedeu a Moésio Rebouças da ANA*** sobre a sua obra.]

Agência de Notícias Anarquistas > Gostamos de começar a entrevista pedindo para a pessoa falar um pouco de si, de sua trajetória libertária...

Fabrício Monteiro < Sou natural de Araguari (MG), mas vivo na cidade de Uberlândia faz tempo. O anarquismo surgiu para mim via educação. Inicialmente, a partir de minha própria experiência como estudante na época do colegial, foi tornando-se cada vez mais evidente e nauseante para mim a hipocrisia do sistema escolar oficial. As manifestações que, para nós alunos, pareciam criativas e reflexivas no interior da escola eram classificadas com “inapropriadas” (e suprimidas como tal). O sentimento, já claro naquela época, da ridícula contradição dos lindos discursos de professores e da direção escolar sobre nós como “cidadãos” sendo formados e do que eles mesmos pregavam mais tarde sobre o santo “mercado de trabalho”. Depois de ter uns parcos contatos iniciais com as idéias anarquistas fui estudar História na faculdade (ano 2000), com a única intenção de ser professor e fazer diferente do que eu mesmo tinha passado. Na Universidade Federal de Uberlândia, durante a graduação, havia um grupo de estudantes que haviam participado de um “cursinho pré-vestibular alternativo” (muito em voga na época), mas que se retiraram do projeto após tentarem propor formas diferentes de trabalho com os alunos, para além do preparo para o vestibular. Formaram em 2002 o Projeto Educacional Circus (eu estava nesse meio), um curso-livre e auto-sustentado (a estrutura física eram algumas salas emprestadas pela universidade) que incluíam, na época, aulas e trabalhos com artes cênicas, humanidades, discussões político-sociais. Apesar de “disfarçado” oficialmente de “pré-vestibular alternativo”, o que mais chamava a atenção naquela experiência de educação libertária era a gestão coletiva do projeto, envolvendo professores e alunos em reuniões coletivas para a decisão – via consenso, quando possível – de todos os aspectos do grupo (desde gastos financeiros, destino de vagas remanescentes, pertinência ou não de assuntos de aulas...). O Projeto Circus terminou em 2005 (uma ala “pré-vestibuleira” venceu por força numérica) e, após um episódio malfadado (mas muito interessante, talvez eu o conte um dia...) de tentativa de construção de um “squat” na cidade por algumas daquelas pessoas somadas a outros grupos e indivíduos libertários, aquele núcleo original foi se dispersando...

ANA > E como surgiu a idéia de escrever o livro “O niilismo social: anarquistas e terroristas no século XIX”?

Fabrício < Diretamente o livro vem de uma pesquisa de mestrado. Minha preocupação principal é com a condição niilista atual, que, em poucas palavras, é motivada pela fragmentação de referências e valores e pelo intenso controle social sobre os indivíduos, o que atrapalha o desenvolvimento da autonomia de cada um. O século XIX e o terrorismo revolucionário surgiram como forma de comparação histórica com nossa contemporaneidade e como busca das origens políticas de alguns sentidos da palavra “niilismo”.

ANA > Ele acaba de sair do forno, não?

Fabrício < O livro saiu agora pela Annablume (maio de 2010). A discussão sobre o niilismo contemporâneo ficou de fora por enquanto.

ANA > E deu trabalho escrever este livro, pesquisar, levantar as informações?

Fabrício < Você vai perceber que não é um livro extenso (só 104 páginas no total), mas as discussões contidas ali são densas e não foram simples de organizar. Você começa com alguns questionamentos, vai atrás de documentação, percebe que novas perguntas que surgem não são respondidas por ela e tem que buscar novas informações em outros lugares... No total foram uns três anos e meio de pesquisa mais um pouco para dar o formato final da escrita.

ANA > Poderia fazer um resuminho do livro? É uma obra baseada em muitas experiências “niilistas anarquistas”?

Fabrício < O termo “niilismo”, nos sentidos atuais (pois a palavra em si é mais antiga, mas tinha outras conotações, diferentes das de hoje) surgiu como uma tentativa de definição para grupos revolucionários russos da segunda metade do século XIX em luta contra o czarismo. Era uma palavra de caráter negativo, sinônimo de “destruição total da organização e valores sociais” usada nos jornais e literatura da época para denegrir os objetivos de transformação social dos revolucionários (Nietzsche, mais tarde se apropriaria da palavra e daria sentidos filosóficos diversos para ela). Percebe-se que, naquele sentido, o niilismo se assemelha a definição “burguesa” do anarquismo e essa ligação não era por acaso; assim como na Rússia o fechamento de cerco dos governos contra as ações revolucionárias – como o Ir ao Povo russo ou a Comuna de Paris na França – levou algumas pessoas às propostas de ação direta e violenta contra os governantes e burguesia através do terrorismo. O “niilismo” russo foi uma compreensão “importada” da Rússia (e somada a compreensões que as classes dominantes ocidentais já tinham sobre os anarquistas) para França, Itália, Espanha etc. O livro trata disso: discussão sobre esses movimentos russos no primeiro capítulo e o terrorismo anarquista na Europa ocidental no segundo.

ANA > Que personagens são descritos no seu livro?

Fabrício < Não há um aprofundamento específico em tal ou qual personagem, pois o objetivo é uma visão um pouco mais ampla sobre os acontecimentos políticos revolucionários e sobre as versões sobre eles (dos segmentos dominantes, através da literatura e dos jornais da época, e dos próprios revolucionários, através de seus depoimentos, discursos e memórias). As discussões envolvem o grupo Vontade do Povo e Netchaiev, na Rússia, Ravachol, Vaillant, E. Henry, Caserio, Lucheni, Czolgosz no ocidente. Discussões sobre a curiosa “Internacional Negra” e o infame Cesare Lombroso. E outras coisas.

ANA > Existe alguma figura do livro que você se identifique?

Fabrício < Individualmente não, mas me chama a atenção a sensibilidade de todos os anarquistas terroristas. Parece paradoxal, não? Mas a sensibilidade era algo que movia todos os atos daquelas pessoas. O fragmento de autobiografia de Lucheni (“História de um menino abandonado no fim do século XIX contada por ele mesmo”) é, nesse sentido, marcante.

ANA > Concordo plenamente quando você fala em sensibilidade destes "anarquistas terroristas". Você não acha que muitas destas ações levadas a cabo estavam impregnadas daquela máxima proferida por Bakunin, de que a vontade de destruir é ao mesmo tempo uma vontade criadora?

Fabrício < Exatamente. É claro que não se tratava dos atentados pelos atentados; das explosões pelas explosões. Quando Turgueniev cria seus personagens “niilistas” como puros destruidores ele, que faz uma literatura contrária à política revolucionária na Rússia, ajudou – e muito – na disseminação da idéia de que tratavam-se de “fanáticos” e “arautos do apocalipse”. Esta visão estendia-se também aos anarquistas por parte das elites e classes médias. Para estes grupos a proposta de criação de uma sociedade sem governantes e propriedade privada não se sustentaria, era o mesmo que propor a destruição pura e simples da sociedade porque seus “alicerces” não estariam mais lá. Por seu lado, depois de presos e condenados, os anarquistas não tentavam escapar da pena de morte ou se arrependiam de seus atos, pois tinham certeza que contribuíram para a construção dessa nova sociedade, sem exploração de classe e repressão governamental.

ANA > As ações expropriadoras da época também são abordadas na sua obra?

Fabrício < O foco central das discussões gira em torno dos diferentes sentidos para o “niilismo”, termo politicamente pejorativo atribuído aos revolucionários (inicialmente na Rússia). Um primeiro significado para essa palavra, na voz dos segmentos governamentais e “burgueses”, envolvia um grande espanto frente ao “desrespeito” que aqueles revolucionários mostravam a valores considerados intocáveis e inquestionáveis pelas elites (a religião, a propriedade, a autoridade governamental etc.): ser niilista era sinônimo, para estes grupos, de ser amoral. O máximo do “vazio de valores” (daí o “niil”, ou “nada” em latim) seria o atentado direto à vida de pessoas (juízes, reis, presidentes, policiais, donos de fábricas e empresas...). O livro, especialmente no segmento sobre os anarquistas, enfatiza estes episódios, discutindo, inclusive o caráter desta suposta “amoralidade” niilista. Paralelamente vão sendo mostradas as reações dos governos frente a este tipo de ação.

ANA > E qual era a participação das mulheres nestes episódios?

Fabrício < Especialmente no movimento revolucionário russo da segunda metade do século XIX as mulheres estavam ativamente presentes e em uma proporção nada desprezível. Uma das estatísticas citadas pode dar uma noção disso: durante a repressão do Estado czarista de 1874 à Campanha “Ir ao Povo”, 770 pessoas foram oficialmente presas, sendo que destas, 158 eram mulheres. A ação do grupo “Vontade do Povo”, que interceptou a comitiva de Alexandre II e assassinou-o com uma bomba em 1881, foi dirigida por uma mulher, Sofia Perovskaia. Ela seria presa e executada posteriormente (Gessia Helfmann acusada de participação nos planos também foi presa e morreria na prisão). Vera Zassulich, posteriormente uma das fundadoras do marxista Partido Social-Democrata russo, foi egressa da “Repartição Negra”, uma das organizações que tentou seguir a luta da “Vontade do Povo” após seu desmantelamento. Não conheço uma anarquista que tenha se engajado tão diretamente em uma ação do gênero, mas podemos nos lembrar de Mariette Soubère como uma das pessoas que ajudou a planejar e apoiou os atentados à bomba de Ravachol contra as residências de Bulot e Benoit.

ANA > De memória eu lembro da história de uma anarquista russa chamada Fanya Kaplan, que tentou matar Lenin...

Fabrício < E ele teve sua “vingança”, não é? Em uma proporção bem maior... lembremos da Ucrânia, por exemplo.

ANA > Houve algum país que se destacou pelo volume de ações “terroristas”?

Fabrício < Acho que não será surpresa ao destacar-se a Espanha entre os países onde a via terrorista teve um grande destaque, com algo próximo de 50 vítimas fatais (entre estas o primeiro ministro Cánovas del Castillo, em 1897) e mais ou menos 100 feridos. Itália e França também têm destaque, mas a preocupação dos governos era geral nesta época. Lembremos que a Conferência de Roma, realizada em 1898, quando os dirigentes europeus reuniram-se no auge dos atentados para tentar coordenar uma ação conjunta contra os anarquistas, nada menos que vinte e uma nações estavam presentes através de seus delegados.

ANA > Normalmente estas ações eram feitas em grupos ou individualmente?

Fabrício < A ignorância das diferenças do caso da Rússia com os países ocidentais, como França ou Itália, por exemplo, ajudou inclusive na fusão de sentidos do “niilismo” russo e do terrorismo anarquista pelos segmentos dominantes. A “sociedade secreta”, pequenos grupos clandestinos que se reuniam para planejar e executar atos revolucionários (não só terroristas), era comum na Rússia. O elevado grau de censura e repressão czarista forçou os movimentos revolucionários a organizarem-se dessa forma para tentarem continuar a existir. No caso dos anarquistas da Europa ocidental as ações eram muito mais individuais, desde a intenção em si, a escolha do alvo, o planejamento e a execução do ato. A seqüência de atentados na França, por exemplo, a partir de Ravachol, passando por Vaillant, Henry e Caserio não ocorreu como uma ação coordenada entre os anarquistas, que na maioria das vezes nem se conheciam, mas por uma sensibilização pessoal devido a prisão e execução do companheiro de luta anterior. A ação de Ravachol, destas citadas, foi a única planejada em grupo, mas era uma vingança imediata contra um juiz e também foi executada individualmente. Pensar que haviam “células” anarquistas terroristas espalhadas por toda Europa foi um pensamento comum entre os governos da época e que foi tão forte que gerou o “mito” da Internacional Negra terrorista, discutido no livro.

ANA > Na época estes “anarquistas terroristas” eram considerados muito danosos para o movimento libertário, recebiam muitas críticas por suas ações, não?

Fabrício < Sim. Mesmo que muitos anarquistas fossem favoráveis ao protesto aberto e a outras formas de ação direta, a ação terrorista era rejeitada como legítima ou útil por grande parte deles. Kropotkin, Faure e Malatesta são exemplos. Importante destacar, porém, que isso não transforma os terroristas em “individualistas” no sentido teórico do “anarquismo-individualista” de, por exemplo, Tucker. As referências de revolução, funcionamento da sociedade, ideal de organização futura da anarquia destes terroristas ainda eram coletivistas ou comunistas. Sua ação poderia ser isolada, pois eram sempre re-ações imediatas a atos do governo (execução ou prisão de um companheiro, repressão violenta de determinada greve, lei anti-anarquista aprovada etc.); o terrorismo anarquista não tinha como objetivo ser um mecanismo da revolução em si.

ANA > Ao escrever o livro, você encontrou algum episódio que merecesse um filme?

Fabrício < (risos) Pergunta interessante! Desde que não fosse feito em Hollywood! A vida de qualquer um deles daria um ótimo filme. Há sempre algo de fascinante em pessoas como aquelas. Na própria época, detalhes das prisões, dos julgamentos eram avidamente acompanhadas pela própria burguesia através dos jornais diários; as execuções eram vistas por centenas e centenas de pessoas nas praças. A trajetória de vida, desde a infância, de Ravachol e Lucheni, por exemplo, são muito marcantes em termos de demonstrar o sofrimento das classes operárias da época. As ações do Vontade do Povo (tentativa de explosão do comboio imperial, infiltração no Palácio de Inverno do czar e colocação de dinamite sob o assoalho...) são realmente espetaculares. Mas só seriam filmes interessantes se conseguissem captar a humanidade, por contraditória que fosse, daquelas pessoas e não as colocassem como “máquinas revolucionárias de matar”.

ANA > O seu livro trata mais dos movimentos russos e da Europa ocidental. Isto foi proposital ou você pretende escrever outro livro sobre o assunto, mas focando a América Latina?

Fabrício < Não foram locais escolhidos por puro capricho. Minha intenção primeira foi buscar as discussões mais iniciais sobre o niilismo em sua forma social-política e fui “obrigado” a tratar dos russos por isso. Os anarquistas da Europa ocidental surgiram como opção de dar uma seqüência direta disso, pois as acusações feitas contra os russos eram muito parecidas com aquelas feitas contra os anarquistas e também houve um “intercâmbio” entre as formas de ações dos revolucionários daqueles dois cenários. Sinceramente não tenho o plano de tratar do assunto na América Latina, convido outro a aproveitar essa sugestão. No momento o que me preocupa, como pessoa política e como pesquisador –coisas que não se separam - , é certa “versão” do niilismo na atualidade. Certo esgotamento na capacidade criativa geral da sociedade, a apatia resignada de muitos frente às situações que se encontram, a individualidade autônoma soterrada por medos que levam à busca pelo consumo de respostas fáceis e conformistas... Esta é a niilificação que me faz refletir hoje; a “nulidade” criativa e transformadora que persiste por aí.

ANA > Que relação você faz destas ações diretas “violentas” do século XIX com o insurrecionalismo anarquista de hoje, as ações diretas pela libertação animal e da terra?

Fabrício < Claro que são situações particularmente diferentes. O terrorismo revolucionário do século XIX só teve um impacto tão grande na memória social (até hoje a dinamite é relacionada com o movimento anarquista vez ou outra por críticos mais cabeça-dura) porque chocou valores considerados essenciais do ser humano por parte daquela sociedade. É o caso do valor da vida individual (pode parecer algo universal para nós, mas o valor da individualidade é historicamente e socialmente construído) e que não era considerada com o mesmo sentido pelos terroristas; talvez para eles a vida fosse ainda mais sublime que para a “burguesia” individualista.

Hoje a quase totalidade dos anarquistas não compartilha (espero!) o mesmo imaginário daqueles companheiros do século XIX, então sua ação direta possui outro caráter, penso eu, mesmo que também se utilize da “violência”. O “chamar a atenção” da sociedade para determinados problemas de forma “impactante” é necessário em uma realidade onde a apatia mantém-se ainda dominante, mas isso não tem mais o sentido de retaliação imediata, quase como uma “vingança” movida pelas emoções, como tinha no passado.
Destaco, porém uma semelhança: o ato “violento” demanda muita energia e riscos; ninguém o utiliza como primeira opção de ação. Não foi a primeira opção no século XIX e nem é hoje. No passado a censura total, a falta de brechas de atuação, as deportações, prisões imediatas e execuções sumárias levaram ao terrorismo. Atualmente o Estado e o poder do capital continuam controladores e fechando cada vez mais o cerco (através de novas armas e estratégias), com seu ridículo disfarce de democracia e liberdade de expressão, ou o insurrecionalismo não precisaria retornar com a força crescente de hoje.

ANA > O que eu percebo hoje na diversidade anarquista é que não há ações que tenham como alvo reis ou presidentes como no passado, até porque o nível de proteção e segurança destes figurões se sofisticou e mudou bastante. Mas também é fato que nos últimos anos aumentou, em vários pontos do mundo, as ações diretas incendiárias e de libertação animal, ataques a propriedades capitalistas, em defesa da natureza, expropriações, enfim, ações mais ousadas...

Fabrício < É verdade, embora às vezes todo esse aparato pode ainda falhar: não foi um atentado político, mas lembra do Silvio Berlusconi em dezembro passado? Mas estas ações mais ousadas, penso eu, ampliam-se hoje um pouco pelo que falei anteriormente. Percebemos que, por mais “liberdade de expressão” que tenhamos hoje (diferente do século XIX) ela não permite um debate de idéias verdadeiro na sociedade, a organização de formas de auto-educação populares efetivas etc. A maleabilidade e eficiência do capital e do Estado atuais em envolver, transformar e neutralizar iniciativas desse tipo, aparentemente mais “pacíficas”, é tão forte que alguns resolvem partir para ações mais diretas.

ANA > Você falou em "sensibilidade" anteriormente. A meu ver sensibilidade está intimamente ligada a coragem, ousadia... Aí eu pergunto: a anarquia cabe em corações medrosos?

Fabrício < A sensibilidade, na minha visão, envolve coragem, ousadia e também – talvez, sobretudo – a capacidade de perceber a posição do próximo. Sensibilidade envolve solidarizar-se, pois você consegue enxergar o outro como um ser humano igual a você. Se você sente dor, medo, humilhação etc. e tem sensibilidade para perceber que o outro também sente estas coisas aí está, a meu ver, meio caminho andado para o anarquista (mas a outra metade do caminho, da ação em si para o auxílio do outro também é fundamental). Não estou dizendo nada de caráter cristão – a não ser que alguém veja um cristianismo sem igrejas e também sem o auto-rebaixamento do indivíduo frente ao “sagrado”. Fazer atuar esta sensibilidade na sociedade requer fundamentalmente coragem e aí sim concordo plenamente com você, desde que respeitemos também o processo de cada um do fazer-se anarquista, sem exigir do outro atitudes que nós mesmo classificaríamos como “corajosas” ou “mínimas” para o anarquista “ideal”.

ANA > Última pergunta para finalizar. Uma vez o presidente Lula disse que o povo brasileiro é doce, pacífico, fácil de se governado. E dias atrás, durante um discurso para funcionários da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, falou que o trabalhador brasileiro não precisa mais ficar distribuindo folhetos na porta das fábricas e xingando os patrões... O que você acha dessas declarações? (risos)

Fabrício < Claro, temos a “democracia”, temos a “transparência”, “liberdade de opinião e manifestação” e blábláblá... Mas não vejo uma simples hipocrisia no Lula, apenas uma mudança de posição (de idéias) de quem mudou de posição (político-social). Bakunin bem já avisava...

ANA > Mais alguma coisa?

Fabrício < A memória do terrorismo revolucionário foi por muito tempo sufocada e rejeitada pelos próprios anarquistas, mas isso teve um motivo político plenamente justificável na época (até meados do século XX). O ideal anarquista não conseguiria se fortalecer com uma taxação tão “pesada” como as acusações de “destruidores”, “violentos”; “niilistas”, enfim. Hoje, entretanto, podemos retomar esta memória como fonte de reflexão para nosso presente e tentar compreendê-la melhor, sem repetirmos nós mesmos as acusações feitas pelas elites do passado sobre os companheiros do século XIX.

* Fabrício Monteiro é doutorando em História pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e professor de História na rede pública municipal de Uberlândia-Minas Gerais.

**Quem quiser adquirir o livro é só entrar em contato com Thiago Lemos Silva atráves do e-mail: thiagobakunin@yahoo.com.br. Ou então atráves do site da editora:www.annablume.com.br. Em ambos os casos, o leitor conseguirá obter o livro por um valor mais em conta que nas livrarias.

***Entrevista concedida a Moésio Rebouças, coordenador da ANA (Agência de Notícias Anarquistas) entre os dias 3 e 5 de junho de 2010.


RESENHAS


Da apatia à ação: o despertar da classe operária brasileira durante a greve geral de 1917.

LOPREATO, Christina da Silva Roquette. O espírito da revolta: a greve geral anarquista de 1917. São Paulo: Annablume, 2000.


Desde o final do século XIX e o início do século XX, o Brasil deu início a uma intensa política de imigração; sendo que no período subseqüente à abolição do regime escravista (1888) esse processo foi consideravelmente acelerado. Os imigrantes, compostos por homens e mulheres vindos de diferentes países do continente europeu, tais como Alemanha, Itália, Espanha e Portugal, chegaram no Brasil, em especial no estado de São Paulo, seduzidos pela idéia de alcançar uma melhor situação de vida e de, como eles mesmos diziam, “Fazer a América”.
Inicialmente, larga parcela destes trabalhadores foi empregada no meio rural, substituindo os negros (até então escravos) no trabalho agrícola em lavouras cafeeiras. O tratamento endereçado ao trabalhador recém chegado no país carregava consigo, ainda, um acento fortemente escravista, que parecia não reconhecer a liberdade contratual existente nas relações sociais de conteúdo capitalista. Recebendo salários de subsistência, alocados em péssimas moradias, realizando altas jornadas diárias de trabalho,e, até sofrendo castigos físicos, esses trabalhadores começam a perceber que seu sonho estava se transformando em um pesadelo. Insatisfeitos com essa situação, esses trabalhadores começam a se revoltar e fugir das fazendas.
Aqueles que possuíam condições financeiras melhores voltaram para os seus países de origem, aqueles que não, se dirigiram para outros locais dentro do próprio pais, sendo que um número considerável destes se dirigiu para a capital paulista, onde iriam compor um jovem movimento operário, que se formava junto à incipiente indústria brasileira. Juntamente com a corrente imigratória que trouxe os trabalhadores europeus, chegaram também os anarquistas estrangeiros, em sua maioria, procurando refúgio e proteção das perseguições políticas em suas terras natais.
Nessa mudança do cenário rural para o cenário urbano, a situação dos trabalhadores não foi alterada de forma substancial; eles continuavam recebendo salários baixos, moravam em cortiços e eram submetidos a uma grande jornada diária de trabalho. Diante da situação existente na sociedade brasileira, o anarquismo se transformou em uma ideologia forte nos meios operários. De acordo com Lopreato, a semente plantada por trabalhadores e militantes estrangeiros germinou. “A planta exótica do anarquismo floresceu em solo paulista e em outras cidades brasileiras, e foi se revelando uma força política ativa, capaz de fazer adeptos e de mobilizar os trabalhadores em movimentos de protesto contra as mazelas da sociedade burguesa” (p.10).
As duas correntes anarquistas que gozaram de maior expressividade junto ao primeiro movimento operário brasileiro foram os anarquistas sindicalistas e os anarco-comunistas. Apesar das divergências quanto aos alcances e limites da ação sindical, ambos possuíam o mesmo método de luta: a ação direta, que segundo Lopreato “expressa a crença de que o proletariado só se libertará quando confiar na influência de sua própria ação, direta e autônoma, prescindindo de intermediários no conflito capital/trabalho (...), que a classe trabalhadora nada deve esperar de forças externas a ela mesma. Pois é ela que deve criar suas próprias condições de luta e os seus meios de ação.(...). (p. 20)
Aderindo ao anarquismo sindicalista ou ao anarco-comunismo, esses trabalhadores lançaram mão do boicote, da sabotagem e, em especial, da greve, para resistir aos abusos do patronato e Estado brasileiros. Nesse sentido, Lopreato analisa a atuação do movimento anarquista junto ao movimento operário, dando ênfase ao projeto que estes realizaram com os trabalhadores para retirá-los da apatia e incitá-los a ação contra as condições de vida alvitantes impostas pelo nascente capitalismo no Brasil. A partir dessa perspectiva, as greves de 1906, 1912, e, principalmente, a de 1917, “marco histórico no processo da formação da classe operária” (p.216), são vistas como o resultado do enraizamento e duração do princípio político anarquista da ação direta.
Pois é justamente desta última de que nos fala Christina Roquette Lopreato no seu livro “O Espírito da Revolta: a greve geral anarquista de 1917”. Resultado de pesquisa e redação de doutorado defendido em 1996 junto ao departamento de História da Unicamp, o livro se propõe a “recontar a história da greve geral de 1917”, “procurando captar seus desdobramentos e ressonâncias” (p.26).
Depois de um interregno de cinco anos, os trabalhadores paulistas despertaram do seu estado de apatia e resolveram agir. Segundo a autora, no mês de julho de 1917 uma greve geral interrompeu e paralisou grande parte das atividades industriais, comerciais, setor de serviços e o de transporte na antiga paulicéia. De 9 a 16 de julho, cerca de cem mil trabalhadores cruzaram os braços e passaram a exigir dos patrões o reconhecimento de direitos fundamentais tais como: liberdade de reunião, reconhecimento sindical, jornada de oito horas diárias, melhores salários, condições adequadas de trabalho, repouso semanal e o fim do trabalho noturno para mulheres e crianças.
As diversas categorias de trabalhadores em greve: tecelões, marceneiros, pedreiros, chapeleiros, sapateiros, costureiras, lavadeiras, cozinheiras entre outros, desempenharam um papel ativo no processo de discussão de suas reivindicações e na formulação de suas propostas. Como resultado do referido, surgiu o Comitê de Defesa Proletária (CPD) para unir os trabalhadores e coordenar suas ações. Entre os seus membros mais aguerridos destacaram-se os anarquistas Edgard Leunroth e Gigi Damiani.
Com o acirramento do conflito entre capital e trabalho, o governo de São Paulo mobilizou cerca de sete mil soldados para reprimir as manifestações grevistas. O embate físico entre soldados e trabalhadores resultou em três mortes (isso, segundo os saldos oficiais) e centenas de feridos.
Temerosos de que a ação dos trabalhadores se radicalizasse ainda mais, Lopreato argumenta que os industriais começaram acenar para a possibilidade de uma proposta conciliatória, que só ganhou contornos mais definidos após o ingresso dos jornalistas para mediar as negociações. Depois de se reunirem com os jornalistas e discutir a proposta dos patrões e governantes, o CPD convocou os trabalhadores para avaliar a proposta em questão. Atendendo ao apelo do CPD, um número aproximado de dez mil operários compareceram aos comícios realizados nos bairros Mooca, Braz e Ipiranga e deliberaram pelo fim da greve.
A suspensão da greve foi comemorada por toda a imprensa paulistana, que noticiava em suas manchetes a vitória material e moral dos trabalhadores sobre os patrões e os governantes. “A significação moral foi, no entanto, maior que o ganho material”. “Comemorada ao som da Internacional” a autora registra que ela “simbolizou o reconhecimento das pretensões operárias” (p.66).
Na direção oposta das conclusões que muitos historiadores chegaram sobre os alcances e limites das vitórias do jovem proletariado brasileiro, a autora chama a atenção para a conquista da questão social, obtida a partir da ação conjunta desses dois movimentos. De acordo com Lopreato, “num país de forte tradição agrícola em que o escravismo ainda permanecia no imaginário social, forma os operários a mostrar que a transformação do Brasil num país moderno estava a exigir novas regras de convivência social” ( p.218)
Para além do interesse estritamente historiográfico, esta resenha do livro “O Espírito da Revolta” tem também um interesse político. Pois, a greve geral de 1917 confirma uma das verdades mais banais que existe na história, qual seja: os trabalhadores só podem obter as conquistas que são capazes de tomar! Essa reflexão, a meu ver, é primordial tanto aos trabalhadores de ontem quanto aos de hoje.



Thiago Lemos Silva é mestrando em História pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia).



NOTÍCIAS



Nota de Falecimento



Morreu na tarde de hoje (02/06/2010), aos 99 anos, o anarquista, ex-combatente da guerra civil espanhola e militante do Centro de Cultura Social de São Paulo, Diego Gimenez Moreno.
Nascido em 10 de abril de 1911, em Jumilla, província de Múrcia, Diego engaja-se aos 17 anos no movimento anarquista espanhol e em seguida na Guerra Civil. Ferido em combate, é hospitalizado e em seguida, com a vitória franquista, encarcerado no campo de concentração Mauthausen, na fronteira com a França. Uma experiência que descreveu no seu livro Mauthausen – campo de concentração e de extermínio (São Paulo, Edições Hispanoamericanas, 1975, 236pp). Escapa para França, chegando em seguida ao Brasil em 1942, onde participa ativamente das atividades anarquistas na cidade de São Paulo.
Diego trazia um mundo novo em seu coração. Durante uma conferência no CCS pronunciada em 2001, declarou: “O patrão não se discute, suprime-se!” Exemplo de uma existência libertária, deixa um enorme vazio; mas parte após ter semeado muitas primaveras.
Mesmo subtraído ao olhar dos amigos, sua glória perdura na nossa memória, pois a recordação dos grandes homens não é menor que sua presença. Saudades dos amigos do Centro de Cultura Social!



Fonte: http://www.ccssp.org/


Liberdade Agora! Aos 12 presos de San Salvador Atenco



Aos ministros da Primeira Sala da Suprema Corte de Justiça:José de Jesús Gudiño Pelayo, Olga María del Carmen Sánchez Cordero de García Villegas, Juan N. Silva Meza, Arturo Zaldívar Lelo De Larrea, José Ramón Cossío Díaz.

À opinião pública nacional e internacional.

Nós conhecemos as graves violações aos direitos humanos que nos dias 3 e 4 de maio de 2006 o Estado Mexicano cometeu em San Salvador Atenco. Em função destes acontecimentos 12 pessoas seguem presas. Nos preocupa que o processo que se seguiu foi repleto de irregularidades: não foram respeitados o princípio de presunção de inocência nem as garantias do devido processo e as provas que fundamentaram a condenação foram obtidas de maneira ilegal.
Consideramos que estas irregularidades implicam que não tiveram direito a um julgamento justo. É um sinal de alerta que o delito de “sequestro equivalente”, que acreditamos que é inconstitucional, possa ser usado para criminalizar demandas sociais e que o sistema de procuração e administração da justiça tenha sido utilizado de maneira facciosa para converter em delinquentes alguns integrantes da Frente de Pueblos en Defensa de la Tierra. Sabemos, além disso, que existe um precedente jurídico emitido por um órgão do Poder Judicial da Federação, que considerou que os feitos pelos quais foram sentenciados IGNACIO DEL VALLE, FELIPE ÁLVAREZ y HÉCTOR GALINDO não são constitutivos de delito de sequestro; por questões de segurança e congruência jurídica, assim como pela transcendência do caso, consideramos que este antecedente, ainda que normativamente não seja vinculativo para os Ministros, não pode ser negligenciado. Por tudo isso, chamamos à Primeira Sala da Suprema Corte de Justiça a liberar os 12 presos do caso Atenco.

Frente de Pueblos en Defensa de la Tierra

Fonte: Alexandre Samis-FARJ ( Federação Anarquista do Rio de Janeiro)

E-mail: asamis@uol.com.br

Tristan Anderson volta para os EUA 15 meses depois de ter sido baleado na cabeça por forças de segurança israelenses

Após mais de um ano num hospital de Tel Aviv, Israel, o ativista libertário estadunidense e repórter fotográfico Tristan Anderson, 39 anos, voltou à sua casa em Oakland, na Califórnia.
Em 13 de março de 2009 ele foi gravemente ferido na cabeça por uma bomba de gás lacrimogêneo disparada à queima-roupa pelas tropas israelenses na cidade de Naalin, durante uma manifestação contra o muro que separa Israel da Cisjordânia. O projétil de grande potência causou traumatismo craniano grave com perda de massa encefálica e cegueira no seu olho direito.
Tristan ainda não recuperou os movimentos do lado esquerdo de seu corpo e enfrenta um longo período de reabilitação cognitiva e física e permanece em uma cadeira de rodas. No entanto, nos últimos meses ele teve vários avanços significativos, incluindo a recuperação de sua capacidade de falar. Atualmente ele se encontra hospedado na casa da sua família e ansioso para encontrar seus amigos e amigas da Califórnia.
Ao longo dos anos, como repórter fotográfico e ativista, Tristan, participou de inúmeras campanhas nos Estados Unidos e internacionais, incluindo trabalhos de solidariedade na América Latina, ativismo anti-guerra no seu país e no Iraque, campanhas em defesa das florestas, incluindo os protestos na Universidade de Berkeley, na Califórnia, onde ele e outros manifestantes protestaram durante quase dois anos contra a decisão da instituição de cortar dezenas de carvalhos para construir um complexo esportivo, ficando no alto das árvores, para evitar sua derrubada. Também participava das atividades do Food Not Bombs (Comida Sim Bombas Não), da Massa Critica (bicicletada), entre outras iniciativas antiautoritárias.

Fonte: Moésio Rebouças-ANA ( Agência de Notícias Anarquistas)

E-mail: m_reboucas@yahoo.com


POLÍCIA FEDERAL PRENDE MÃE E BEBÊ TUPINAMBÁ



A Polícia Federal prendeu na tarde de hoje, feriado de Corpus Christi, a índia Glicéria Tupinambá e seu filho de apenas (02) dois meses. Glicéria é liderança de seu povo e membro da Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI. Vinculada ao Ministério da Justiça, a CNPI tem entre seus integrantes representantes de 12 ministérios, 20 lideranças indígenas e dois representantes de entidades indigenistas. Na tarde de ontem, 2 de junho, Glicéria participou da reunião da CNPI com o Presidente Lula, oportunidade em que denunciou as perseguições de que as lideranças Tupinambá têm sido vítimas por parte da Polícia Federal no Sul da Bahia.
No dia seguinte, quando tentava retornar para sua aldeia, Glicéria – tendo ao colo o seu bebê de dois meses – foi detida ao descer do avião, ainda na pista de pouso do aeroporto de Ilhéus (BA), e diante dos demais passageiros, por três agentes da Polícia Federal, numa intenção clara de constrangê-la. O episódio foi testemunhado por Luis Titiah, liderança Pataxó Hã-hã-hãe, também membro da CNPI, que a acompanhava.
Após ser interrogada durante toda a tarde na sede Polícia Federal em Ilhéus, sempre com o bebê ao colo, Glicéria recebeu voz de prisão da delega Denise ao deixar as dependências do órgão. Segundo informações ainda não confirmadas, a prisão foi decretada pelo juiz Antonio Hygino, da Comarca de Buerarema (BA), sob a alegação de Glicéria ter participado no seqüestro de um veículo da META (empresa que presta serviço de energia na região). Esse juiz em entrevista concedida ao repórter Fábio Roberto para um jornal da região, se referiu aos Tupinambá como “pessoas que se dizem índios”. Mãe e filho serão transferidos para um presídio na cidade de Jequié, distante cerca de 200km de sua aldeia.
Desde que a FUNAI iniciou o processo de demarcação da Terra indígena Tupinambá as fazendas invasoras da terra indígena passaram a contratar pistoleiros, fazendeiros dos municípios de Ilhéus e Buerarema iniciaram campanhas difamatórias nas rádios e jornais locais, incitando a população regional contra os índios, o que resultou numa série de conflitos envolvendo pistoleiros, fazendeiros e indígenas. Como conseqüência da disputa pela posse da terra os Tupinambá respondem a uma série de inquéritos e processos criminais patrocinados pela Polícia Federal, numa estratégia clara de criminalização de sua luta legítima em defesa de seu território tradicional. Em decorrência dessa ofensiva de criminalização já estão presos os indígenas Rosivaldo (conhecido como cacique Babau) e Givaldo, irmãos de Glicéria que passa a ser terceira presa política Tupinambá.
A animosidade nutrida pela Polícia Federal em relação aos Tupinambá já se tornou crônica. No dia 23 de outubro de 2008, numa ação extremamente agressiva, a PF atacou a comunidade indígena da Serra do Padeiro, deixando 14 Tupinambá feridos à bala de borracha, destruiu casas e veículos da comunidade, a escola indígena e seus equipamentos, e ainda deteriorou a merenda escolar. Dois Tupinambá foram presos na ocasião. Em junho de 2009, após outra ação de agentes da PF juntamente com fazendeiros - numa ação de reintegração de posse -, sinais de tortura em cinco Tupinambá ficaram comprovados por exames de corpo de delito realizados no Instituto Médico Legal do Distrito Federal. O inquérito, levado a cabo pelo mesmo delegado que coordenou a ação dos agentes, concluiu entretanto pela inocorrência de tortura. Nenhum dos agentes foi afastado durante ou após as investigações. No dia 10 de março de 2010, numa ação irregular, a Polícia Federal invadiu a residência do cacique Babau em horário noturno (duas horas da madrugada), destruindo móveis e utilizando extrema força física para imobilizar o Cacique, que acreditava estar diante de pistoleiros, pois os agentes estavam camuflados, com os rostos pintados de preto, não se identificaram e não apresentaram mandado de prisão, além de proferir ameaças e xingamentos.
O Conselho Indigenista Missionário, preocupado com a integridade física e psicológica de Glicéria e seu filho, vem a público manifestar mais uma vez o seu repúdio ao tratamento dispensado por órgãos policiais e judiciais ao Povo Tupinambá. Reafirma seu compromisso em continuar apoiando a luta justa do povo pela demarcação de seu território tradicional e conclama a sociedade nacional e internacional a se manifestar em defesa da causa Tupinambá e pela imediata libertação de seus líderes.

Brasília, 3 de junho de 2010.

Conselho Indigenista Missionário – Cimi

Fonte: Everaldo Tavares- ISVA ( Instituto Sócio-Ambiental Valéria)

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